Páginas

terça-feira, 21 de outubro de 2014

[7545] - ERA UMA VEZ, ANGOLA - (45)...



Detesto despedidas, não porque eu seja "bicho-de-mato" mas porque me emociono com extrema facilidade... Já minha mãe costumava dizer que eu tinha sempre a lágrima ao canto do olho!
E, muito embora a minha estada em Cazombo tenha sido relativamente curta, eu comparo esta convivência no mato, confinado a um circulo social diminuto e longe da maior parte dos confortos da civilização, às longas viagens por mar: a sensação de isolamento aproxima mais as pessoas e rapidamente se criam hábitos de interlocução e empatias que, não raro, levam aos conhecidos "flirts" de bordo, que são agradáveis enquanto duram, mas logo se esquecem na euforia da chegada ao destino..
Foi, pois, para fugir a um cenário de longos abraços e palavras de circunstância, que combinei com o Chefe Cardozo de Mattos (José Ruy...) que no dia seguinte iria a Vila Teixeira de Sousa, que sairíamos por volta da meia-noite...Assim, as despedidas aconteceram durante o jantar, que teve honras de ementa especial (leitão assado, pão de trigo de forno de lenha, Casal Garcia fresquinho, batata-doce frita e assada na cinza, sumo de maracujá e bolo de laranja, café e Macieira...)...Já passava das dez quando todos se recolheram. 
Poderá parecer cedo mas acontece que, no mato, a vida, por via do intenso calor, começa às sete da manhã pelo que, salvo aos fins-de-semana, as noitadas não são aconselháveis, nem saudáveis!
Portanto, no meio do silêncio possível, à meia-noite, o Chefe Mattos, o cabo de cipaios Caputula e eu próprio, preparavamo-nos para seguir viagem quando fomos surpreendidos pelo súbito aparecimento de um petromax de intensa e branquíssima luz, que precedia, nas mãos do Mário Matos, o cortejo dos hóspedes masculinos, todos, impecáveis nas suas minúsculas cuecas...

Continua...

3 comentários:

  1. A continuação promete muito, quanto mais não seja para se perceber o propósito desse cortejo em cuecas. Presumo que o calor mesmo à noite dispensava indumentária mais completa ou então estamos perante uma espécie de praxe à africana que o Zito terá de explicar.
    Quanto ao resto, seduz-me sempre estas narrativas do Zito sobre a sua experiência africana, porque têm o condão de me transportar para paragens semelhantes por onde andei. Não creio que algo de mais impressivo resida nas minhas memórias, daí que a minha mente e o meu coração são de uma receptividade absoluta a estas crónicas, tal o eco que encontram.

    ResponderEliminar
  2. Muito bom este "teasing" de fazer corar de inveja a muito noveleiro brazuca!!!

    ResponderEliminar
  3. Obrigado a ambos...É reconfortante perceber que o que sentimos e tentamos partilhar pode ter receptividade, ao nivel da mera sensibilidade e de perspectivas diversas mas positivas...A comparação pode ser abusiva mas perfilho a ideia de que os aplausos que permeiam a arte de um actor em cena, não sendo um fim em si, serão o corolário de um percurso em que o intérprete terá, necessáriamente, de ter a convicção do valor da sua representação para que goze na plenitude a euforia do aplauso que assume, assim, o sentido de uma prova de comunhão e não de mera retribuição...É, pelo menos, o que sinto!

    ResponderEliminar