Emanuel Barbosa |
“Cidadania” tem origem etimológica no latim civitas, significando “cidade”. Designa um estatuto de pertença de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações.1
O conceito evoluiu hoje e, por definição, é a capacidade de os cidadãos viverem no pleno gozo dos seus direitos e deveres, quer sejam civis e políticos, quer sejam sociais, estabelecidos na Constituição. Uma boa cidadania é condição necessária para uma sociedade mais equilibrada e, no mais, pressupõe uma harmoniosa relação entre o cumprimento dos direitos e o dos deveres.
Este intróito vem a propósito do direito à participação política dos emigrantes cabo-verdianos, em particular o direito ao voto. Estamos na iminência de conhecer a maior fraude eleitoral de sempre junto da nossa Diáspora que vem sendo perpetrada pelo PAICV, desde 2011, e executada de forma “limpa”, através de uma técnica muito simples, barata e silenciosa, resumindo tão simplesmente em não recensear os emigrantes.
Já bastas vezes, em diferentes foras, tenho denunciado o facto de, há quase quatro anos, o recenseamento eleitoral se encontrar suspenso junto das nossas comunidades emigradas. Aos emigrantes têm sido obstruído o usufruto de um direito, supostamente, conferido a todos os cidadãos Cabo-verdianos. Um manifesto descaso para com a nossa Diaspora por parte do governo do PAICV, que, só pode querer significar que, aos seus olhos, os emigrantes são cidadãos de segunda no que tange à participação política, a exemplo do tratamento que também lhes tem dado noutros domínios, em que, invariavelmente, são relegados para planos secundários.
Devo recordar que nas ilhas, nos vários concelhos, o recenseamento tem sido permanente em conformidade com o que vem lavrado no código eleitoral. A realidade na Diáspora é outra, pois o código eleitoral foi colocado de molho sem qualquer explicação. O que está acontecendo com a Diáspora é uma clara e preocupante discriminação e, pela sua gravidade, deve interpelar-nos a todos. Aos proeminentes sujeitos políticos da nossa praça, nomeadamente a S.E. o Sr. Presidente da República e aos líderes dos partidos da oposição, fica um apelo em nome da Diáspora para um posicionamento firme por forma a findar a veleidade de tratar uma questão de sobeja importância desprovida do merecido sentido de Estado, confinando-a ao espectro de mera lógica partidária e de disputa eleitoral.
Também as organizações da sociedade civil, como as associações comunitárias na Diáspora, com reconhecida capacidade de intervenção cívica, não podem colocar-se à margem desta causa. Estas não devem deixar manietar-se e nem sucumbir perante o poder e as teias dos jogos de interesses que não são poucas e são, quase sempre, exercidas pelo partido do poder, o PAICV, com uma intensidade que roça a obscenidade com o fito de controlar quem tem voz e vez, numa clara pretensão hegemónica, intimamente conexa à sua matriz ideológica, de silenciar vozes discordantes e incómodas.
Os sinais emitidos pelo PAICV não agoiram nada de bom, pois a cada momento, maquiavelicamente, apresenta uma razão diferente para se desculpabilizar do grave atropelo ao código eleitoral. Por conseguinte, não se vislumbra vontade política por parte do governo, em dar provimento ao estatuído no código eleitoral, o que, obviamente, tem adensado as preocupações junto da nossa Diáspora, gerando ansiedade, ressuscitando as naturais suspeições do passado e reavivando as tristes imagens do conturbado recenseamento realizado nas vésperas das eleições de 2011.
A conclusão natural é que o PAICV está a urdir um recenseamento seletivo, a ser realizado num curto período de tempo, próximo do período eleitoral, e o mais atabalhoado possível para se recensear o menor número possível de novos eleitores, com o excessivo envolvimento dos partidos políticos e a servir como uma antecâmara para as eleições de 2016.
Não obstante as várias chamadas de atenção, o governo do PAICV continua determinado em seguir por este caminho sinuoso, apostando num processo reprovável a todos os títulos, cujos padrões de lisura e transparência estão longe de dignificar aqueles que labutam no estrangeiro e não se poupam a esforços para ajudar no desenvolvimento das nossas dez ilhas.
O prognóstico aqui esboçado não é um puro exercício de mau presságio, mas sim é, objectivamente, o que está a ser preparado. É o momento de apelarmos à responsabilidade e ao bom senso dos decisores políticos e de todos sairmos em defesa da qualidade da nossa democracia antes que fique irreversivelmente manchada junto daqueles que, também, sempre estiveram na linha da frente quer no que tange à luta pela independência, quer seja a que levou à queda da ditadura de partido único.
A nossa Constituição garante um direito fundamental, que é o direito ao voto aos emigrantes Cabo-verdianos, conseguido na sequência da abertura democrática de 1991 que conduziu ao colapso do regime autoritário do PAIGC/CV. Por isso, não é tolerável que hoje, em plena democracia, o governo do PAICV, por via indireta, através de esquemas de secretaria, impedindo a feitura do recenseamento, persista em sonegar tal direito aos nossos emigrantes.
Este é um acto lesivo aos direitos dos cidadãos Cabo-verdianos da Diáspora, o qual, em última instância, configura uma clara obstrução à nossa Constituição em matéria dos Direitos, Liberdades e Garantias de Participação Política e de Exercício de Cidadania, e em particular na limitação do direito de voto, pois quem não está recenseado não pode nem votar, nem ser eleito.
Desde os primórdios da filosofia clássica que a relação entre o saber e o poder se vem colocando, suscitando vários correntes de pensamento em que o primeiro é tido como fundamento do poder político na definição das qualificações necessárias que dão direito à participação nas decisões políticas. O PAICV tem de assumir se defende a concepção de Aristóteles e de Platão, contrária a socrática, querendo com isso dizer que os emigrantes não são homens virtuosos e sábios, que não detêm o conhecimento do bem-comum a perseguir e que não estão na posse do conhecimento indubitável, pelo que não estão em condições de participar nas decisões politicas cabendo-lhes o papel de obedecer e executar as decisões dos supostos iluminados do PAICV, os tais que, no entendimento deste partido, em tempos, foram designados como os melhores filhos do nosso povo. Se é isso que pensa dos emigrantes que o diga.
A minha convicção é outra, acredito que não existem razões para temer o voto dos emigrantes, estes saberão exercê-la com magnanimidade, pois segundo Sócrates para se ser virtuoso basta seguir a própria consciência e tal está ao alcance de qualquer um.
No contexto da nossa recente democracia, os emigrantes deram já provas da sua maturidade, pelo que repudiam qualquer tentativa de serem definidos como parte menor da nação Cabo-verdiana e não aceitarão ser arredados dos seus direitos por vias ínvias, mesmo que subtis. - (Expresso das Ilhas)
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ResponderEliminarArtigo excepcional que o senhor Barbosa teve a coragem (rara nos tempos que correm !) de publicar.
Bem, aqui nem se fala porque ninguém tem medo de ninguém num mundo de delatores.
Obrigado, AcA
A ideia foi do José, o que me esqueci de referir...Tambem acho que o artigo é muito oportuno...
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