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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

[7755] - POEIRA DOS TEMPOS...

“A VOZ DE CABO VERDE”

CORRESPONDENCIA DE S.VICENTE 
(ortografia da época)

“ S. Vicente, 4 de abril de 1911 – É curioso para quem passa, vêr o que pode a política das terras pequenas. Passava no Loanda, o governador Marinha de Campos, acompanhado e desejado por muitos, e odiado por outros, o que é em si, um facto bem natural, porque só os coitados imbecis, é que não teem inimigos.
Foi recebido a bordo e depois na ponte caes, por quase todo o funcionalismo, corpo consular, e muito, muito povo. Só lá não vimos, os médicos do quadro de saúde e pharmacêuticos. 
Do commercio estava, por assim dizer, tudo, só faltando os representantes das casas Lopes & C.ª. Limitada e Ricardo José Serradas & C.ª Limitada. Os membros do commercio fizeram uma representação ao ministro das colonias e presidente do governo provisório, em que pedem a volta do governador, que já tem o seu nome ligado a um grande numero de medidas pedidas pelo commercio local, há muito tempo e que o governador, no curto prazo de quatro mezes, despachou, como: a armazenagem para matérias inflamáveis por um anno; armazenagem para os outros artigos de importação por seis mezes; facilitar o pequeno commercio de bordo em condições melhores do que estabelecidas até aqui; mandar abrir caminhos para o interior da ilha, e attender ao injusto rigor do imposto de tonelagem que obrigava os vapores de grande lote a recusarem carga, além de cinco toneladas, pois imaginem que um transatlântico de 7.000 toneladas para receber 6 toneladas de carga na província, só de imposto de tonelagem, pagava 140$000 réis.
Enfim, pela voz geral, S. Vicente não tem a Marinha de Campos, senão benefícios e boa vontade, n’este pequeno período de administração.
Os proprietários inglezes e chefes das três importantes casas carvoeiras e os representantes das principaes potências: Inglaterra, Hespanha, França, Alemanha, etc. – apesar de não ter havido convites, espontaneamente se apresentaram na ponte caes, para receber o governador e acompanhal-o ao palácio.
A um inglez, que me informaram ser o chefe da casa Wilson, Sons & C.ª. Limitada, constou-nos que ouviram dizer “que não se intromettia na política local, mas que estimava muito vêr este governador voltar, tanto lhe agradava o feitio franco e leal de Marinha de Campos”.
A destoar esta impressão boa, uma quasi tristeza em todos, pelo receio de que o governador fique em Lisboa, preso nas teias da politiquice, há a notar, o facto de uma garotáda que se lembrou de acompanhar a sahida do Loanda -- quando, já fóra da bahia e perto do sitio da Matiota com uma foguetada, capitaneada pelo sr. Ricardo Serradas, tendo como observadores do espectáculo, o sr. Roberto Duarte Silva, cônsul do México e sócio da firma Lopes & C.ª. e o pharmacêutico Fonseca, que dentro de uns buracos que existem no sítio da Matiota, destinados a chiqueiros de porcos, deitavam as cabecinhas de fóra, rindo de satisfação ao verem estalar os foguetes. 
Muito nos admira este acto dos republicanos do celebre Centro Republicano 5 d’Outubro! E mais é de espantar, -- para nós que conhecemos o sr. Roberto Duarte Silva, como um cavalheiro, de um trato fino, e que se tem revelado em todos os seus actos, um espirito ponderado e um funccionário distinto, -- vel-o acompanhar em garotadas desta ordem, rapazelhos sem classificação social em manifestações tão baixas e tão ordinárias!
Do nosso pharmacêutico Fonseca, nada extranhamos, -- há-de ser sempre o mesmo – Lisca-te, -- ou para melhor dizer o – Archote – mas que não julgue que é prohibido aos pretos bater nos brancos quando eles merecem. 
Quanto ao sr. Ricardo Serradas nada commentamos, porque nem mesmo lhe podemos enviar o compêndio de – João Félix Pereira -- pois não sabe lêr nem mesmo assiganar o próprio nome.
Senhor Roberto Duarte Silva desejamos como amigo, -- vel-o em melhores companhias! – Quem é que lhe fez mal depois de 13 de fevereiro? N’esse dia, informaram-nos que o senhor cônsul do México e família foi uma das pessoas que acompanhou o sr. Marinha de Campos!
Faça-nos o sr. Silva o elogio e a biographia dos seus consócios do Centro 5 de Outubro que nós a publicaremos; - tomamos este compromisso.
A redacção...

Nota: O Director e Editor – Abilio Monteiro de Macedo – assume-se como intransigente republicano e “devoto” da governação e acção de Marinha de Campos.
(Amendes)


5 comentários:

  1. O jornal A Voz de CAbo Verde (1911-1918), dirigido por Abilio Monteiro de Macedo, Eugénio Tavares e Pedro Monteiro Cardoso apoiou sempre o Governador Marinha de Campos, figura dos dias 3 e 4 de Outubro de 1910, que derrubou a >Monarquia em Portugal. Anti-clerical entrou logo em conflito com a igreja catolica. Acusado pela igreja catolica de apoiar os independistas em Cabo Verde acabou por ser chamado a Portugal depois de quatro meses de governamentaçao. Ver ainda os 3 volumes sobre Eugénio Tavares organizado por Félix Monteiro.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Acho de um paroquialismo rasca o teor desta notícia. Como é possível que um jornal polua o registo de um acto oficial com a menção de um acontecimento insólito e puramente marginal, e ainda por cima com jocosidade descabida para as pessoas envolvidas? Ou apenas quiseram aproveitar a oportunidade para lembrar que o Ricardo Serradas era analfabeto? Se calhar, era normal naquele tempo, se bem que se tenha também de olhar para isto sem esquecer a clivagem republicanismo-monarquia, que estaria ainda a fervilhar em 1911.

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  4. Esqueci-me de saudar o regresso do AMendes, que traz sempre coisas boas.

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  5. Lembro-me da figura do sr. Abilio Macedo, desoforado que até esteve na Colônia Penal do Tarrafal (com mais alguns) por não ter aceite decisões do Governador.

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