Arsénio Fermino de Pina |
“Uma mentira repetida várias vezes passa a ser verdade”
Esta tirada é do facínora nazi J. Goebbels, que o amigo Mota Pereira completa - quanto mais inverosímil for a mentira - o que parece contraditório, mas continua a acontecer
“Uma mentira repetida várias vezes passa a ser verdade”
Vamos entreter-vos com alguns factos do capitalismo neoliberal, sem receio de ser chamado à pedra por economistas, visto a Economia não ser ciência e qualquer pessoa poder nadar nessas águas sem risco de se afogar ou de ser afogado. Limito-me às realidades fortes para espevitar o pagode aborígene adormecido no lodaçal da inércia com promessas irrealistas, entretenimentos televisivos imbecis e o sacrossanto futebol que transformam as pessoas numa massa informe facilmente manipulável.
O que vos vou relatar não é invenção minha; se as cito é por concordar com elas. Recolhi-as de várias fontes de leitura, prática que já aborrece muito boa gente, razão por que já não se vendem livros, como protestam os livreiros.
Certamente que ouviram, bastas vezes, afirmar que estamos a viver uma crise terrível e em dívida volumosa, pelo que teremos todos, sem outra alternativa, de carregar o fardo e de apertar o cinto. Todos, como quem diz, com excepção dos muito ricos e poderosos, que sempre tiveram expedientes para não pagar impostos nem suportar limitações. Também, tributar estes, é tabu: se o fizéssemos – explicam-nos os do governo, os jornalistas pagos para o fazer e alguns comentadores políticos - os ricos deixariam de ter incentivos para investir, criar-se-iam menos empregos e sofreríamos todos.
Só nos salvamos de maiores dificuldades se os mais pobres se tornarem ainda mais pobres, e os ricos mais ricos. Não sendo assim, os ricos poderiam entrar em greve, deixar de investir, fechar as fábricas, mudando-se para países com políticas mais permissivas, aumentando assim o desemprego e a miséria no país de origem, o que, de resto, vem acontecendo na Europa. Isto chama-se espírito perverso do neoliberalismo global, cujos aspectos já abordei noutros escritos, mas nunca é demasiado relembrá-lo.
O neoliberalismo dessa elite não eleita no poder que nos constrange pelo terror económico leva, portanto, com a sua miragem de reformas, ao desmantelamento do Estado-Providência (Estado social), mormente das suas áreas da saúde, educação e segurança social, promovendo a privatização de bens sociais fundamentais como a água, energia e comunicações. Simplifica os processos de despedimento sob a denominação inocente de flexibilização, elimina a contratação colectiva de trabalho e promove a criação de zonas económicas especiais (como, por exemplo, a nossa do Lazareto, em S. Vicente, em que empresas estrangeiras beneficiaram de múltiplas facilidades por dez anos, amealhando muito dinheiro nesse período, e foram-se embora quando chegou a altura de pagarem alguns impostos, sem indemnizar os empregados que ficaram no desemprego). Para tranquilizar as pessoas, dizem, repetidas vezes, não haver alternativas, mas o que pretende é fagocitar os Estados-Nação e enriquecer as elites financeiras predadoras.
O Estado social – o que ainda temos em Cabo Verde e em Portugal – é um sistema financiado pela contribuição dos trabalhadores, das empresas e das receitas do fisco. Representa, portanto, uma forma de redistribuição da riqueza, sendo esta distribuição, em si própria, um sinal de progresso social.
Obviamente que o Estado social deve ser produtivo para proporcionar serviços decentes aos cidadãos de forma transparente, evitando desperdício.
Este tipo de Estado tem estado a ser saqueado de forma sistemática por um sistema político corrupto. A privatização dos serviços sociais não é boa para ninguém, a não ser para o mundo dos negócios obscuros que, privatizando-os, limita o seu acesso àqueles que podem pagar.
Esta acção do neoliberalismo não se exerce somente nos países subdesenvolvidos; também na parte Sul, periférica, da Europa (Grécia, Portugal, Espanha, Itália. Croácia, etc.), que se pretende reduzida a uma região de força de trabalho barata, uma zona de subcontratação e de turismo em que os nacionais serão os serviçais dos ricos do Norte. O que ainda intriga os ingénuos é como os políticos que nos governam acreditam nos benefícios do neoliberalismo e falam (ou mentem descaradamente com todos os dentes) dos benefícios da política de austeridade, de privatizações (vendas) dos recursos nacionais. Obviamente, que estão defendendo os seus benefícios pessoais e dos amigos – não por ideologia -, estando-se nas tintas pelos interesses dos países. Foi o negócio dos seis submarinos comprados à Alemanha que contribuiu para o afundamento da economia grega, enquanto a União Europeia insistia, não na anulação da loucura da compra dos submarinos, mas na necessidade de cortes mais severos nas áreas da saúde e educação. Portugal também comprou submarinos à Alemanha…
Estou descrevendo situações que se passam com mais frequência, actualmente, na Europa. Porém, creio ser útil conhecer isso para se poder avaliar o que se passou e se passa entre nós. Servem para prevenir loucuras e decisões pouco correctas. Estamos hoje, em Cabo Verde, numa situação na qual só podemos escolher o que já foi decidido pelo Governo. Soa já a chantagem e recorda a palavra de ordem não-há-alternativa, celebrizada pela Margaret Thatcher. Porém, com o governo pós-José Maria Neves, talvez nasça outro rumo que aceite a vera regionalização sob outro prisma, não deformante, e se veja um Estado de direito. O que a política neoliberal tem provocado na Europa, e não só, com o aumento da austeridade, é o desemprego, o nacionalismo chauvinista, o incremento da mentalidade fascista e a xenofobia. Quanto à xenofobia, é ver o número de africanos e de indivíduos da bacia mediterrânica que, fugindo de perseguições e guerras, pretendem entrar na Europa e morrem afogados pelo caminho ou à espera de serem socorridos. Partidos de índole e práticas fascistas pululam em vários países europeus, desde a França, Holanda, Hungria, Grécia e países da ex-Jugoslávia, como resultado da grande permissividade do sistema capitalista em permitir uma exploração desenfreada que gera fundamentalismos numa reacção errada contra o próprio sistema. Sem austeridade para pagar a dívida (pagar aos bancos maioritariamente alemães) não há salvação, dizem os neoliberais, o que é falso, dado que os EUA passaram muito bem durante décadas a fio gastando muito mais do que produziam e vivem em pleno emprego e com um crescimento actual de 3,5% anual, o maior de todos os países desenvolvidos. Há mesmo dívidas impagáveis, ou que já foram pagas com juros empolados cobrados. A dívida até convém ao FMI e ao BCE, por ser uma forma de controlarem e dominarem os países a que impõem políticas restritivas e privatizações humilhantes como devedores, favorecendo as multinacionais. Outrossim, bancos de proprietários estrangeiros controlam todo o sector financeiro de certos países.
Vivemos, realmente, numa sociedade caracterizada por escolhas arriscadas, mas alguns - os gestores desonestos de grandes empresas e os ricos – fazem a escolha e acautelam os seus fundos a tempo face a riscos (como aconteceu, por exemplo, ao presidente Cavaco Silva, que retirou a tempo os seus fundos e os lucros do BPN antes da falência deste), enquanto os outros – as pessoas comuns que pagam os seus impostos e suas hipotecas – se arriscam a tudo perder, como aconteceu a alguns que investiram no BES, BPN e BPP.
O pagamento da dívida dos países só é possível quando dependente do crescimento económico, como se permitiu à Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, facilidade que se nega a outros países como a Grécia e Portugal. Afinal, a dívida de certos países não é por os trabalhadores e as classes médias não pagarem os seus impostos e terem vivido à tripa forra, mas sim porque os ricos sempre conseguiram fugir ao pagamento de impostos, e por os bancos terem utilizado o dinheiro dos seus clientes em especulações financeiras de alto risco.
Nos grupos sociais mais primitivos, as dívidas dos indivíduos perante os outros eram limitadas e podiam, periodicamente, ser objecto de anulação, ao passo que, com o advento dos impérios e dos monoteísmos, a dívida do indivíduo à divindade ou à sociedade se tornaria realmente impagável. O indivíduo, ou o país endividado, está constantemente exposto à avaliação e inspecção dos outros, com limitação da sua liberdade e soberania, como aconteceu e ainda continua a acontecer, por exemplo, a Portugal e à Grécia, sob vigilância apertada.
Creio que a solução da crise actual e a eliminação da política neoliberal só podem ser resolvidas por uma esquerda unida e forte capaz de retirar os países endividados do poço em que os meteram, combatendo energicamente a supremacia do capital e do mercado. É uma batalha entre as forças do trabalho e as forças mafiosas capitalistas neoliberais.
Falando da Grécia, os neoliberais falam á boca cheia que o Syriza é um perigo para a Europa, quando, em boa verdade, é Angela Merkel e a sua hegemonia política a nível europeu o maior perigo. A vitória eleitoral do Syriza foi a vitória natural de um povo desesperado que perdeu o medo do gongom com que o amedrontavam, o que obrigou a União Europeia a privilegiar a política sobre a economia abrindo, portanto, uma brecha negocial de diálogo útil para o futuro que beneficiará outros em situação semelhante.
S. Vicente, Março de 2015
Arsénio de Pina
* (Pediatra e sócio honorário da Adeco)
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