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quinta-feira, 12 de março de 2015

[7889] - ERA UMA VEZ, ANGOLA...(50)



A paragem do comboio provocada pelo desfile da manada de elefantes através da linha, veio quebrar a monotonia da longa viagem, despertando os passageiros da sonolenta letargia que resultava do balançar constante e ritmado da carruagem...Em breve, todos falavam dos belos animais, do insólito da situação, dos perigos que poderiam advir de tais encontros com paquidermes capazes das reacções as mais inesperadas, enfim, acabou por reinar uma euforia inusitada e em tudo contrastante com o silêncio quase sepulcral que antes se impusera na abafada carruagem, quase lotada de uma massa heterogénea de viajantes...
E a viagem continuou, um tanto monótona no que respeita à paisagem, em que os quilómetros de planície - chamadas de chanas ou anháras - a perder de vista se sucediam, atapetadas de vasto manto de capim, rasteiro e verdejante, ondulando suavemente ao ritmo da brisa lenta, quente e húmida...
Foi com um suspiro de alívio que cheguei à Estação do Kuito onde, decerto, alguém da Administração me receberia, mas que me custou encontrar... Foi já fora do edifício da Estação que dei com uma figura que mais parecia um orangotango fardado de aspirante...Na realidade, o homem, de calções, tinha tantos pelos que até me ocorreu a ideia de que uma boa depilação viria a calhar...Ainda por cima, tinha uma barba espessa e mal aparada e uma cabeleira a pedir umas tesouradas urgentes...A camisa, de caqui verde-garrafa, estava encharcada de suor nos sovacos, quase até à cintura e o homem fumava um mal-cheiroso Gauloise Caporal, um cigarro francês do tipo "soco-no-peito"...Chamava-se Gervásio (claro!) e estava à minha espera, com o inevitável Jeep Willys ferrugento, sem para-brisas, pneus carecas e escape furado...o habitual!
A Administração ficava a escassos 500 metros e tinha duas enormes ventoinhas de tecto que oscilavam tanto que temi que caíssem a qualquer momento...
O Administrador, a quem apresentei a minha guia de transporte para validação para o percurso até Malange, era da velha guarda, já cinquentão, de bigode e farda brancos e o gabinete dele, imaginem, tinha ar condicionado...Aspirei profundamente ao mesmo tempo que o Administrador Marques me segredava que eu estava com azar, pois a estrada entre o Andulo e o Mussende estava cortada:  as  águas do rio não sei quantos, tinham levado um pontão de cerca de 15 metros, que as Obras Públicas e a Engenharia Militar estavam a tentar substituir, já lá iam dois dias...Passou-me uma requisição para alojamento e refeições na Pensão Chave d'Ouro (!) onde, finalmente, consegui um banho retemperador. Depois, uma Cuca fresquíssima e um pires de ginguba torrada, com sal e malagueta, servidos por uma jovem e belíssima cabrita com tudo no seu lugar... Senti-me nas nuvens e, intimamente, desejei que os tipos das O. Publicas e os militares fossem o menos eficientes possível...O egoísmo é uma coisa terrível, sem dúvida!
(Continua...)

8 comentários:

  1. ...E tinha esse direito! Depois do cansaço e de algum desconforto das sacudidelas da viagem, uma boa acomodação calha sempre bem. Jovem e com uma bonita "cabrita" a servir -lhe uma "cuca" muito fresca, desejava era que as obras se prolongassem...Ah!ah!ah!
    Considere-se privilegiado. Viu "ao vivo e a cores" uma natureza pródiga e belos exemplares animais. Duvido que os haja hoje!
    Abraços
    Ondina

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  2. Olá Zito

    Quero ler a continuação... Desta parte gostei muito; uma simplicidade que me cativou.
    Abraço.
    Dilita

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    1. DILITA, NÃO SEI SE REPAROU MAS ESTE É JÁ O 50º ARTIGO SOBRE O TEMA...JÁ COMEÇOU HÁ ANOS...
      Abraço amigo
      Zito

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Como bastas vezes já fiz sentir, este é daqueles textos que me enchem as medidas até mais não. O Zito com a sua pena, a África e a sua irresistível sedução, uma combinação a um tempo terna e explosiva. Impossível não me render e comover. Tenho pena de quem não tenha passado pela aventura africana, embora a minha tenha tido um lado mau, mesmo mau, que é para esquecer. Ainda por cima, estes lugares aqui citados são-me familiares. Ah, as chanas, as anharas, o capim a perder de vista! Quantas vezes não fiquei também atascado com colunas militares nessas chanas, no tempo das chuvas. Ter de dormir ao relento, com os mosquitos a esvoaçar irritantemente à volta da cabeça, ensaiando voos picados contra a minha pele. A memória que eu conservo daqueles administradores e chefes de posto, gente de pele curtida pelo sol e com a África a gritar no sangue! Enfim, permita-me, Zito, que eu partilhe um pouco dessa sua irremissível saudade. Que pena aquela terra não tenha ficado com todas as suas cabritas e mulatas, e todos os seus negros e brancos, irmanados num mesmo destino, mas doravante mais igual e mais justo!

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  5. Caro Adriano, por vezes dou comigo a pensar em mais destas crónicas ou, pelo menos, uma maior assiduidade, numa espécie de antecipação do "gozo" que me dá, depois, ler os seus e outros comentários...Faz-me bem ao ego, não o posso negar...Todavia, prometo que não exagerarei mas renovo a confissão de que estes pedaços de memória me são particularmente queridos e sinto-me lá, sempre que me debruço sobre o teclado para mais uma etapa da minha breve epopeia...Dobrada a idade dos arrependimentos, agora é só gozar o prazer de reviver situações e revisitar locais que, por isto ou aquilo, se me colaram à memória, indelevelmente...Obrigado, a todos vós, pelas palavras amigas!
    Zito

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  6. ERA UMA VEZ, ANGOLA.. crónica em terra africanas continentais depois das insulares. A 50 ésima crónica destinada ao futuro Livro que iremos ler com gosto

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  7. ERA UMA VEZ, ANGOLA.. crónica em terra africanas continentais depois das insulares. A 50 ésima crónica destinada ao futuro Livro que iremos ler com gosto

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