Conferência de Imprensa
Na esteira de reflexões anteriores, a legislatura de 2011 a 2016 foi iniciada sob o signo da Reforma do Parlamento, pois, desde há muito, existe no seio dos sujeitos parlamentares e da própria sociedade, a consciência de que o modelo de organização e funcionamento da Assembleia Nacional, bem assim o seu grau de efectividade, já não respondem cabalmente aos desafios da actualidade e às exigências de uma Democracia representativa como a nossa.
E nem podia ser diferente, uma vez que o Regimento do Legislativo cabo-verdiano data de 1997, e, desta parte aos dias de hoje, a sociedade cabo-verdiana, em todas as suas dimensões, tem vindo a complexificar-se, reclamando soluções cada vez mais eficazes e mais atempadas.
Logo, impunha-se a aprovação de um novo Regimento mais consentâneo com as demandas actuais e futuras.
Por outro lado, uma Reforma institucional do tipo, teria necessariamente que equacionar a questão dos titulares de cargos políticos, dotando-os de um novo Estatuto, pois à semelhança do Regimento da Assembleia Nacional, a legislação referente à matéria, data, pelo menos, de 1997. De recordar que são considerados titulares de cargos políticos, o Presidente da República, os Deputados, os membros do Governo e os Autarcas.
Constitui facto notório que aos homens e mulheres cabo-verdianos que se disponibilizam para desempenhar cargos políticos, a sociedade tem vindo a exigir, progressivamente, mais competência, dedicação ao exercício do cargo, transparência e superior efectividade no desempenho das respectivas funções. São, em suma, exigências de qualificação dos titulares de cargos políticos que impõem igualmente uma adequação do respectivo Estatuto.
Do pacote da Reforma faz parte ainda a eleição dos órgãos externos ao Parlamento – o Provedor de Justiça, o Tribunal Constitucional, a Comissão Nacional de Eleições, a Comissão Nacional de Protecção de Dados e a Autoridade Reguladora da Comunicação Social –, elementos fundamentais do ordenamento político-constitucional cabo-verdiano e indispensáveis à qualificação da nossa Democracia. Neste particular, trata-se do cumprimento de um desiderato constitucional, adiado há anos.
Procurando responder às três preocupações supracitadas, o Parlamento trabalhou com afinco, aplanando divergências, gerando consensos e construindo soluções, de modo a aprovar os instrumentos da Reforma, ainda durante a presente legislatura, como, aliás, fora estabelecido em 2011. O Regimento da Assembleia Nacional e o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos foram aprovados e os órgãos externos ao Parlamento foram eleitos.
A Assembleia Nacional está convencida de que estas três iniciativas, não só vão no sentido da plena realização da Constituição da República, na parte em que ela impõe órgãos externos ao Parlamento plenamente funcionais, como permitem ao sistema político cabo-verdiano dotar-se de importantes instrumentos para melhor responder aos desafios com que se defronta.
Entretanto, não obstante se tratar de um pacote envolvendo as três dimensões acima referidas, apenas o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos, mais concretamente a sua vertente remuneratória, vem sendo contestada, por diferentes sectores da sociedade, através de manifestações de rua, redes sociais e imprensa. Argumenta-se que o vencimento proposto para o Presidente da República e, em decorrência, para os demais titulares de cargos políticos, é inoportuno e exagerado para a realidade do país.
Para o Parlamento, manifestações dos cidadãos em relação a assuntos candentes da vida política nacional, revela um grau de amadurecimento e de conscientização da sociedade que só pode ser encarado com apreço, independentemente das específicas motivações ou do julgamento político que os manifestantes pretendem transmitir. Aliás, é preciso naturalizar a realização de manifestações em Cabo Verde, enquanto exercício efectivo da cidadania, numa sociedade que se quer plural e democrática.
De todo o modo, reconhecemos que o debate entretanto desencadeado poderia ser mais produtivo se tivesse havido uma melhor comunicação entre a classe política e a sociedade, e se a abordagem da Reforma do Parlamento tivesse sido vista de forma mais abrangente e não apenas focalizada na parte remuneratória dos Estatutos, não actualizada há cerca de 18 anos.
Com efeito, por força do novo Regimento, o funcionamento do Parlamento conhecerá um outro figurino com sessões plenárias quinzenais, as comissões especializadas a reunirem-se com mais frequência, os debates a serem mais diversificados e mais frequentes como é, por exemplo, a presença mensal do Primeiro-ministro no Parlamento.
De igual modo, a comunicação será mais intensa com a sociedade, através do Portal e do Canal do Parlamento, alarga-se a possibilidade de os cidadãos acompanharem e participarem no processo legislativo, etc.. A Assembleia Nacional conhecerá um salto qualitativo nas vertentes legislativa, fiscalizadora, tribunícia e participativa, com ganhos significativos para a qualificação da Democracia.
Em relação aos órgãos externos, como se disse, trata-se do cumprimento de uma imposição constitucional, também importante para a consolidação do regime democrático, em especial no que se refere ao reforço dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como se espera alcançar com o pleno funcionamento do Provedor de Justiça, do Tribunal Constitucional e da Comissão Nacional da Protecção de Dados.
No que concerne ao Estatuto, importa salientar que há benefícios como é evidente, a maior parte já contemplada em legislação dispersa, mas também requer-se mais dedicação, mais responsabilidade, mais entrega, mais transparência da parte dos titulares, como se depreende do princípio do reforço da exclusividade, das incompatibilidades e dos impedimentos.
Trata-se de um instrumento que procura dignificar o exercício do cargo político, criar condições para atrair os melhores e reforçar o controle social e político dos titulares, com repercussões relevantes na qualidade da governação do país.
O Parlamento, no exercício das suas competências constitucionais, aprovou o diploma em questão com a mais firme convicção de que se estava a prosseguir a qualificação do sistema político e da nossa Democracia representativa. Mas, com isso apenas se cumpriu uma etapa do processo legislativo que continua ainda em curso, pois que vai-se aguardar a intervenção do Presidente da República, que será recebida com naturalidade, no quadro do normal funcionamento das instituições democráticas. O mais importante em todo esse processo legislativo é que o exercício das competências de cada órgão de soberania se processe em plena liberdade, com alto sentido de responsabilidade e em estrita observância do quadro constitucional vigente.
Sem deixar de reconhecer o direito à manifestação do dissenso, a Assembleia Nacional apela à serenidade e à preservação da estabilidade social e política, principais activos para a promoção do desenvolvimento do país.
Na esteira do que sempre foi a sua prática, o Parlamento reitera o seu compromisso com Cabo Verde e os cabo-verdianos.
Praia, 6 de Abril de 2014
Colab. de Valdemar Pereira
N.R. - Se bem entendemos, os parlamentares são aumentados para que melhorem as suas "performances"...
O Parlamento só por medo de um imprevisível crescimento e alastramento do descontentamento popular é que poderá suspender a a actualização do estatuto remuneratório do poder político. No fundo, o que todos os deputados aspirariam é efectivamente manter aquele desiderato, situação em que a unanimidade é, escandalosamente, certa e garantida. A falta de consciência cívica e a cobardia moral são duas condições que determinarão a decisão do Parlamento sobre esta matéria, sendo provável que o peso da última é que poderá evitar que o caldo se entorne a uma escala perigosa.
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