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quinta-feira, 16 de abril de 2015

[8020] - CIMEIRA - O RESCALDO...

Adriano Miranda Lima
MINHAS IMPRESSÕES AO SEGUNDO DIA DA CIMEIRA

Este segundo dia da Cimeira, a que eu assisti na quase totalidade (através do link), permite-me as observações que se seguem.
Um primeiro conferencista, cujo nome não me foi dado saber, mas que é seguramente um académico tecnicamente capaz, abordou o tema da cimeira na mesma senda dos seus antecessores do primeiro dia, Paulino Dias e Dionísio Ferreira. Igualmente, fugiu a que a palavra regionalização se lhe aflorasse sequer à boca, tendo, no entanto, reconhecido que há um excesso de municípios e que importará adoptar um critério para a sua redução, que encara como importante por causa dos custos financeiros. Em vez de enveredar pela solução regionalizante, preferiu sugerir a fusão de municípios e a desconcentração, considerando esta importante como “elemento estrutural, essencial e marcante”. No seu entendimento, essa via, reforçada com a exploração de parcerias entre os municípios, as corporações e as empresas, configurará uma solução possível para dinamizar o poder local e relançar o desenvolvimento. Portanto, associação de municípios e não a regionalização, conceito que, ao fim e ao cabo, traduz a ideia de “intermunicipalidade” referida por aqueles seus antecessores de ontem. 
Seguiram-se duas intervenções sem qualquer chama ou interesse, ambas dando a entender que está tudo bem como está e não é preciso regionalizar coisa nenhuma. Percebeu-se que a intenção era notoriamente satisfazer a atitude omissa ou difusa que o Primeiro-Ministro, presente na sessão, vem preferindo.
Só que tiveram um pouco de azar porque o Primeiro-Ministro interviria logo a seguir e surpreendendo-me com a exteriorização de um pensamento que não lhe tinha ouvido até agora. Disse ele que se calhar tudo o que está a ser debatido deverá  enquadrado numa reforma mais ampla do Estado e do sistema político. Ora, é isto que também pensamos, se bem que o José Maria Neves opte sempre pela vacuidade nas suas alusões, não assumindo um pensamento claro e assertivo com consequências práticas do ponto de vista político. Sim, porque bastaria dar orientações ao governo e ao seu partido no sentido de uma decisão política formal com consequências de ordem legislativa.
Seja como for, gostei hoje de o ouvir.
Seguiu-se a intervenção do Professor Luís Valente de Oliveira (português, 78 anos, e com larga experiência em planeamento territorial) e respirei de alívio porque o que lhe ouvi corresponde às nossas teses sobre esta matéria. Não foi exaustivo mas foi suficientemente eloquente a passar a mensagem sobre as virtudes da regionalização, embora dizendo que não podia dar sugestões concretas sobre  o caso cabo-verdiano. No entanto, fez um reparo quanto a mim muito importante: “se fizerem a regionalização, façam por associar ilhas com graus de desenvolvimento diferentes”, deixando subentendido que não será a melhor a solução região-ilha. Ora,  o meu pensamento é exactamente o mesmo.
De novo, voltou a intervir a pessoa que eu ontem identifiquei como Tony Santos mas cuja função ou cargo desconheço, tendo ontem presumido que seria autarca na Brava. Mas fiquei ao menos a saber que não é, porque ele disse que não foi convidado e se fez convidado. Penso que ele nada tem a ver com a Brava porque o seu português tem um ligeiro sotaque barlaventista, talvez de S. Antão. É homem dos seus 60 anos aproximadamente, é culto, exprime-se muito bem, e o seu discurso foi na esteira do que focalizou ontem: defesa da regionalização e reforma do Estado. Sublinho, gostei imenso de o ouvir.
A seguir, foi a intervenção do presidente da câmara da Praia, que me desiludiu em todos os aspectos, quer pelo teor da sua intervenção, quer por não parecer favorável à regionalização, tendo aproveitado a sua intervenção mais para se queixar dos problemas da sua autarquia.
Viria a leitura de um texto que o Germano Almeida enviou, já que não conseguiu estar presente, conforme o convite que lhe foi feito. O seu texto foi extensíssimo e recheado de reflexões e conjecturas sobre a realidade cabo-verdiana. Sinteticamente, diria que ele pôs a tónica nos seguintes aspectos: somos pobres mas fingimos que não somos quando reivindicamos o que tem os seus custos; dúvidas se a regionalização é uma exigência e uma prioridade para o país; ela não é panaceia para os problemas; a regionalização tem sido reclamada por pessoas de fora ou bem instaladas na vida e que não correm qualquer risco com a implementação de reformas que podem não resultar e deixar tudo pior que antes; não existe sociedade civil e que esta se traduz mais na “malta do facebook;  no entanto, e algo contraditoriamente, sugeriu que o estudo das reformas para o país fosse atribuído à… sociedade civil. Não posso deixar de citar que o Aristides Lima, que hoje moderou, chamou a atenção para essa contradiçãozinha. 
Eu já sabia que o Germano não entendia a regionalização como algo prioritário e que duvida mesmo da suas virtudes. Igualmente, sempre afirmámos que ela não é panaceia, mas a verdade é que passados estes 40 anos de independência, se estamos envolvidos nesta discussão é porque alguma coisa não está bem. Isso disse-o com todas as letras o Tony Santos. No entanto, há um ponto que o Germano referiu e em que estou completamente de acordo com ele: em Cabo Verde tem de haver um Estado suficientemente forte e apetrechado para poder cuidar das pessoas, pelo que não pode fazer privatizações para delegar as suas responsabilidades. E isto é de uma verdade cristalina quando, hoje, estamos a ver a cor dos olhos do capitalismo.
Chegou a vez da intervenção do Arsénio de Pina (em nome do Grupo de Regionalização em S. Vicente), por video-conferência, mas infelizmente ela não foi audível através do som e das imagens que me chagaram. Apenas para quem estava na sala da cimeira. Mas ouvi bater palmas entre os presentes.

Por fim, foi a intervenção do Onésimo Silveira. Fê-lo primeiro com uma introdução de improviso e depois lendo um excelente e longo texto a abarcar as reflexões, as teses e as denúncias que de há algum tempo a esta parte vem fazendo. Tocou na questão da descentralização e da regionalização, não poupando palavras nem se coibindo de clarificar de forma  aberta e frontal  toda a extensão e teor da sua opinião sobre esta temática. Teve até o cuidado de explicitar que quando fala em “região administrativa”, e no sentido de evitar equívocos, está a referir-se a uma modalidade que tem implícita a componente política. Igualmente, tocou na questão da política cultural em curso no país e nas suas perniciosas distorções, com risco latente  para a verdadeira identidade cabo-verdiana. Não deixou de denunciar alto e bom som que a ilha de S. Vicente tem sido a principal vítima da centralização e voltou a atacar o “fundamentalismo”, identificando-o mais concretamente com algumas figuras do partido ou do governo.
Por aquilo que vi e ouvi, temos razões para aplaudir de pé o Onésimo. Direi sem rebuço que foi a figura central da cimeira, tanto que a sua intervenção suscitou muitas perguntas, a que ele respondeu sem qualquer problema. Apesar de debilitado fisicamente, o homem conserva-se  estuante de vigor intelectual e tenacidade. Honra lhe seja feita!
O Aristides Lima, moderador nesta tarde do debate, fez uma análise  final do que nele foi tratado e apontou as pistas que se abriram para estudos a fazer em ordem a responder aos problemas inventariados.
Por fim, foi o ministro Antero Veiga a encerrar a cimeira e fê-lo, quanto a mim, com muito acerto, qualidade e sensibilidade política. Apontou a necessidade de nomear comissões para o estudo das soluções para as reformas em causa, mas sem que, tanto quanto me pareceu, a  “regionalização” tenha sido considerada uma conclusão inequívoca e consensual entre os presentes. Entendi que vai haver orientação política para estudar as hipóteses e modalidades de reconfiguração administrativa mais consentâneas com a nossa realidade e as nossas possibilidades.
Fiquei com muito boa impressão deste ministro. No entanto, a regionalização não saiu deste debate como uma óbvia e decisiva conclusão, restando agora saber que amplitude e que natureza revestirá a reforma do sistema político-administrativo.
No mínimo, direi que de algum modo teremos contribuído para agitar as águas e que esta cimeira é disso consequência. Embora,  lamentavelmente, alguns (como o Germano)  nos considerem gente bem instalada na vida e que não corre riscos pessoais quando exige reformas de consequências imprevisíveis para Cabo Verde. Nós e, claro… a “malta do facebook”.
Bem, é uma opinião. Resta-nos é a consciência da legitimidade moral que nos assiste para agir a bem do nosso povo. Não é por almejar qualquer recompensa, não é por vaidade ou por futilidade. Pelo contrário, o nosso empenhamento só nos acarreta trabalho, arrelias e preocupações, quando seria bem mais cómodo desligarmos o interruptor e cuidar apenas do nosso ócio e bem-estar, como a maior parte da sociedade civil faz.
De resto, tive imenso prazer em acompanhar esta cimeira e estar em espírito com a nossa gente naquela sala. Verifiquei que temos em Cabo Verde pessoas de grande qualidade técnica e académica, e também politicamente preparadas, mas que podem andar manietadas pelos empecilhos de um sistema político que foi artificialmente criado e de que não querem ou não conseguem agora desenvencilhar-se. Por isso, temos de continuar a pressionar.
Reconheço que hoje tive razões para ficar um pouco mais optimista do que ontem, ainda que duvide de que esta carta da regionalização seja levada a Garcia.

3 comentários:

  1. Adriano Miranda Lima faz o rescaldo da segunda parte da Cimeira da Regionalização. Tiro algumas notas que merecem reflexão:
    Sobre o PM, JMN ""...Disse ele que se calhar tudo o que está a ser debatido deverá enquadrado numa reforma mais ampla do Estado e do sistema político. Ora, é isto que também pensamos, se bem que o José Maria Neves opte sempre pela vacuidade nas suas alusões, não assumindo um pensamento claro e assertivo com consequências práticas do ponto de vista político. Sim, porque bastaria dar orientações ao governo e ao seu partido no sentido de uma decisão política formal com consequências de ordem legislativa.....""
    É o que andamos a dizer. E é por isso que lhe estendemos as mãos para ajudá-lo a fazer a atravessia deste deserto iedológico do Centralismo. Fez algum esforço reconehcemos em deixar cair a sua visão marxista leninista do poder. Se fizer mais algum esforço até nos podemos entender!!!
    Sublinha as sugestões do Prof Luís Valente de Oliveira (português, 78 anos, e com larga experiência em planeamento territorial) em que """“se fizerem a regionalização, façam por associar ilhas com graus de desenvolvimento diferentes”, deixando subentendido que não será a melhor a solução região-ilha. Ora, o meu pensamento é exactamente o mesmo."""""
    Recordemos que Adriano defende o regrupamento das ilhas em Regiões para inluir as ilhas mais pobre com as mais avançadas.
    Sobre Onésimo acha a intervenção excelente """"Tocou na questão da descentralização e da regionalização, não poupando palavras nem se coibindo de clarificar de forma aberta e frontal toda a extensão e teor da sua opinião sobre esta temática. Teve até o cuidado de explicitar que quando fala em “região administrativa”, e no sentido de evitar equívocos, está a referir-se a uma modalidade que tem implícita a componente política. Igualmente, tocou na questão da política cultural em curso no país e nas suas perniciosas distorções, com risco latente para a verdadeira identidade cabo-verdiana"""".
    A meu ver em relação ao conceito de Regionalização Administrativa Onésimo meteu os pés pelas mãos ou quis fazer um pequeno frete a JMN tendo no fim recuperado ao dizer que o Político e o Administrativo hoje são quase a mesma coisa. A politica é hoje no meu entender a arte de dizer uma coisa e o contrário.

    Sobre o Intelectual Germano Almeida a resposta não podia ser mais acertada ""No mínimo, direi que de algum modo teremos contribuído para agitar as águas e que esta cimeira é disso consequência. Embora, lamentavelmente, alguns (como o Germano) nos considerem gente bem instalada na vida e que não corre riscos pessoais quando exige reformas de consequências imprevisíveis para Cabo Verde. Nós e, claro… a “malta do facebook”.
    Germano é para mim embora um escritor e intelectual de mérito mas incluo-o no grupo de pessoas que assaltaram Cabo Verde há 40 anos que esteve dentro do sistema até ao pescoço, que nunca se rebelou, até ao último momento, enquanto estávamos na Diáspora que le despreza, a lutara para as Mudanças, que ele se aproveitou para ser responsável do MPD e depois traí-lhes e virar de novo a casaca para o Paicv. Não tem crédito para nos criticar!!! Diria estes jovens revolucionários contruiram pedra sobre pedra o regime de Partido Único de estilo marxista leninista de acordo com as leituras que fizeram nos anos 60 e são responsáveis pela situação que se encontra CV. É daqueles jovens que disse aos que se encontravam na Tapadinha em 1974 'Empurra-te que quero sentar-me na tua cadeira'. Esta é a verdadeira realidade destes revolucionário de meia tigela que inundaram as nossa ruas há 40 anos e que hoje são conservadores de meia tigela. Ele não se pode queixar, acumulou todos os tachos e benesses desde há 40 anos que CV é independente. Para ele está tudo bem no paraíso e nós somos perigosos revolucionários.Não tem crédito para nos criticar. Shame on Him!!!!

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  2. A sem vergonhice dessa gente não te limites. Para defender o tacho estão dispostos a tudo. Nem sequer sentem vergonha que contar "ca sim", tentando convencer que são os donos da verdade. De tão convencidos estão que quiseram oficializar um Estatuto" para serem "funcionàrios".

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  3. Quero rectificar uma afirmação contida no meu texto. Não foi o presidente da câmara da Praia que interveio, mas sim o da Ribeira Grande, conforme o Luiz Silva me rectificou em mail pessoal. Admito o erro porque não o conhecia e não havia uma identificação prévia das pessoas que intervinham. Aliás, foi o próprio moderador que me induziu nesse erro de identificação com uma observação por ele feita.

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