Páginas

sábado, 18 de abril de 2015

[8031] - A CIMEIRA - REFLEXÕES...

José Fortes Lopes
Reflexões sobre a Cimeira da Regionalização

Adriano Miranda Lima no seu recente artigo  ‘AI, ESSE MOSTRENGO DO ESTADO CONCENTRADO NA PRAIA’ analiza os dois dias da Cimeira da Regionalização de Abril de 2015, e concluíu que o grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa de Cabo Verde  é o próprio Estado concentrado e centralizado, e que cresce desmesuradamente e inexoravelmente. A denominação para este Estado não poderia ser mais feliz, o Mostrengo, que absorve as Ilhas, as Pessoas, os recursos económicos e financeiros do país para a sua própria máquina e para a sua reprodução. Como bem ividencia, é a própria máquina do Estado que já é uma ameaça, pela sua dimensão e voracidade, ao próprio país que não tem nem dimensão nem economia para   suportar os custos crescentes, que  evoluem na mesma proporção da macrocefalia. 
 Esta é a conclusão que muitos observadores já tinham tirado e que o próprio JMN parece agora tardiamente reconhecer, pelo menos na cimeira, para argumentar sobre os sobrecustos da Regionalização, ao apresentar dados relativos aos custos do Estadoa dura realidade desta máquina que consome mais de 80% do orçamento do país: o seu funcionamento através do seus diferentes serviços, as suas administrações, as autarquias, os custos da democracia e o funcionamento do parlamento nacional, as assembleias municipais etc. Esta é a terrível herança legada a Cabo Verde e aos cabo-verdianos por um sistema que se construiu em 40 anos, sugando os recursos humanos, as energias cidadãs e os recursos financeiros, limitando assim recursos que poderiam estimular a actividades económica em Cabo Verde.
Adriano bem fez em referir que a montagem desta máquina tem 40 anos de história, uma opção política tomada no pós-independência, sem que se tenha, talvez, avaliado correctamente todas as suas  implicações futuras.  Em vez de se repartir o Estado regionalmente pelo território mediante um ‘ponderado critério de razoabilidade e em que a racionalidade e de bom senso’, optou-se pela concentração, em nome de uma pretensa unidade nacional, que na realidade foi a melhor forma de controlar as pessoas e os recursos do país, concentrado-os em poucas mãos. Um estado concentracionário de riquezas limita os cidadãos, as ilhas e regiões, e acaba por asfixiar a própria sociedade. 
Todavia hoje, no quadro do actual debate da Regionalização, contrariamente àquilo que podia ser há 40 anos, sou da opinião que  já não faz sentido repartir a máquina do Estado regionalmente pelo arquipélago e ilhas, pois isto diluiria completamente os poderes e responsabilidade do Estado central, sem nenhum benefíco para as populações: não  implicaria automaticamente o fim do centralismo das decisões, dos poderes e da burocracia politizada e manipuladora. Desconcentrar os órgãos e o aparelho do Estado na presente conjuntura não me parece viável e pode ser uma operação demagógica. Por isso defendo a constituição de poderes Regionais dotados de intrumentos/recursos para efectuar políticas locais: recursos humanos, económicos, financeiros e sobretudo de poderes de decisão e execução (transferidos do poder central para o poder local) ao mesmo tempo que se efectua um progressivo desengorduramento da máquina do Estado. Trata-se, pois, de uma criteriosa Regionalização, como temos vindo a reclamar, cujo o principal objectivo é fixar as populações no território, neste espaço que constitui um arquipélago disperso e diluído na imensidão do oceano Atlântico, colocar o poder mais próximo e ao serviço do cidadão, assim como dar-lhes mais esperança, emprego e segurança. Isso só pode ser feito através da mudança de paradigma nacional em que o Estado desmateraializa-se em parte nas Regiões dotados de poderes de decisão atrabuídas pelom próprio Estado. 
É claro que com o fim progressivo do Centralismo, o balão do Centralismo acabará por desencher-se afectando: a rede de interesses instalada na capital, os negócios , os diversos empreendimentos do estado e de privados centralizados e até as estruturas político-partidárias. É precisamente esta teia/engrenagem que ninguém quer mexer, por medo de perder poderes e regalias. Estou convencido que o sistema, no quadro do novo paradigma para o país e após a conclusão das Reformas, encontrará, com o tempo, o seu novo ponto de equilíbrio, mais salutar.
 A Cimeira foi para mim insatifatória, pois aquilo que devia ser o essencial da discussão, a Regionalização, para debater de maneira rigorosa a problemática no seu todo, tornou-se emum assessório, havendo muita dispersão em relação ao tema central, envolto muitas vezes num ruído de fundo prejudicial. Por outro lado, um evento deste tipo merecia outra organização, poderia ter incluído muitos especialistas nacionais e internacionais de países amigos regionalizados. Para além disso, não sei porque é que tinha que ser uma cimeira: na presente conjuntura do debate, devia-se dar prioridade aos que tiveram uma intervenção cívica neste processo (incluindo é claro com a presença do Grupo de Reflexão da Regionalização do Mindelo) que dura há 2 anos, ao mesmo tempo que deveriam ser convidados pessoas que poderiam trazer uma contribuição nova ao processo num diálogo aberto com o Sistema. Muitos  viram-se totalmente preteridos pelos tais agentes políticos, denotando o sectarismo do seus organizadores. 
Falou-se timidamente de Reformas e da Regionalização, temas tabus nas mentes cabo-verdianas, ainda muito condicionadas. 
É claro estávamos a espera da resistência que ia ser colocada no debate em relação a estas questões, tendo sido apenas aflorada a dimensão daquilo que Adriano qualifica de Mostrengo, a máquina de triturar Cabo Verde. 
Como era de esperar voltaram à carga com a questão do Supra-Municipalismo ou Super-Municipalismo que o governo tem em cima da mesa,   um conceito que não representa nenhum ganho para o debate, na medida em que o que se pretende com esta forma de pseudo-regionalização, é o reforço do Municipalismo. Ou seja,  seria mais uma estrutura burocrática, tutelar e indefinida, a acrescentar e/ou a sobrepor ao que já existe, nomeadamente às câmaras, para vigiá-las em nome do governo, nada mais. Ora este tipo de Regionalização é de se rejeitar categoricamente.
Nesta óptica, Onésimo, tentou piscar um olho ao Sistema, defendendo a Regionalização puramente administrativa, e não a política, mas lembrando simultâneamente que não é possível despir a Regionalização da sua componente política. Portanto neste tipo de exercício de equilibrismo político é sempre difícil não cair-se em contradições!!! 
A questão da Regionalização, com o seu dois vectores administrativos e políticos, continua, pois, a ser escamoteada pelo Sistema, alegando  que o carácter de estado unitário, a homogeneidade cultural e étnica do país, não permite a plena Regionalização, como se os países que adoptaram esta reforma (que também o fizeram por motivos de: ou/e dispersão geográfica, ou/e cultural  ou/e nacional) não são estados unitários, como é o caso da França, Espanha, Alemanha etc.
O amigo Arsénio de Pina na sua intervenção por vídeo-conferência, em representação do Grupo de Reflexão da Regionalização, lembrou que não é possível encarar nenhuma Reforma séria em Cabo Verde, pelo menos na dimensão que se pretende, sem mexer na Constituição, que não é nenhuma vaca sagrada, como alguns pretendem.
Assim o conjunto de reformas que propomos inclui o Estado e o Municipalismo. Não se pode reformar o Estado deixando o Municipalismo com está, numa situação em que  se proliferam câmaras e estruturas parasitárias e onerosas. Não faz assim sentido pretender avançar com uma reforma que mexe com o Estado, a sua simplificação e emagrecimento, acrescentando pura e simplesmente mais uma camada de gordura à gordura. Na realidade implementar por ‘da cá aquela palha’ o Supra-Municipalismo irá onerar ainda mais o funcionamento do Estado sem trazer nada de novo para as populações. No meu entender a reforma do Estado deve ser global, de cima para baixo e vice- versa, e não pode poupar nenhuma estrutura do Estado. Ela deve incluir o emagrecimento da própria máquina Estado, a reconfiguração ou extinção do actual Parlamento e a migração para o Presidencialismo Regional. Estamos pois a falar de uma reconfiguração drástica do aparelho de Estado para o tornar mais adaptado à realidade de um país pobre e sem recursos: a)  governos centrais fortes e reduzidos, com o  Presidente e Vice-Presidente à cabeça, um Senado, Governos e Parlamentos Regionais austeros e fortes b) um número  reduzido de Câmaras Municipais com funções limitadas estritamente às questões municipais e coordenadas pelas Regiões e o Poder Central. 
Para concluir denoto o grande conservadorismo da classe política e da elite cabo-verdiana que não me parece merecer a grandeza deste pequeno país arquipelágico que representam. A elite actual cabo-verdiana é omnisciente , omnipotente, conservadora e pouco preparada para avaliar os desafios do país.  Para mim um dos grandes problemas actuais de Cabo Verde é a sua própria elite fechada ao Mundo, entre as nossas montanhas ou as suas quatro paredes, convencida que o Mundo  se limita ao ilhéu e que o Mundo exterior funciona como dador de ajudas e apoios.

17 de Abril de 2015 


2 comentários:

  1. Neste artigo apresento as minhas conclusões sobre a Cimeira da Regionalização complementando a análise de Adriano Miranda Lima.
    Não surpreende ninguém que o impasse nesta matéria continue, apesar de algum piscar de olhos dos Regionalistas em relação a quem pode decidir, ou seja quem tem a faca e o queijo de Cabo Verde nas mãos neste momento, para fazer qualquer coisa.
    Esta matéria está assim, infelizmente, atirada para as Calendas Gregas, para após as eleições, talvez a próxima legislatura ou mesmo mais tarde (2, 5, 10 ou 20 anos?). Digo talvez, pois tudo vai depender dos jogos das elites no poder que hoje defendem praticamente e exclusivamente os interesses da ilha de Santiago onde está enquistada toda a máquina, os interesses e o actual poder. E só lamentamos esse adiamento na resolução desta questão, pois o povo da periferia de Cabo Verde, nomeadamente da ilha de S. Vicente, não terá os seus problemas, que decorrem do Sistema Político esquizofrénico montado no país, resolvidos enquanto não houver uma verdadeira solução política em Cabo Verde, que passará pela Regionalização e pela Reforma profunda do mesmo Sistema. Neste artigo apresento algumas pistas para esta solução.
    A grande constatação depois de ter ouvido as diferentes exposições daqueles que são considerados os principais actores políticos do actual sistema Cabo Verde é a impreparação política e intelectual generalizada. Como cidadão cabo-verdiano não me revejo representado por esta gente e sinto que Cabo Verde merece mais mas muito mais do que isso. É já a própria rua que vem dizer isso. Mas este foi o caminho que decidimos trilhar, há 40 anos, sermos representados por uma classe que sub-representa as potencialidades intelectuais e políticas do país.
    Na presente situação, no que concerne os Regionalistas, consideramos em parte satisfeitos, uma parte da missão, do dever para com Cabo Verde e a nossa própria consciência, cumpridos, que consistia em levar as pessoas a pensar que há outros modelos possíveis para Cabo Verde, o que era considerado há alguns anos uma heresia, segundo as palavras de Onésimo. Tivemos a coragem de enfrentar um Sistema arrogante convencido das suas certezas e dizer publicamente que o Rei vai Nu que é preciso Mudanças.
    A chave das Mudanças está agora no povo de Cabo Verde, e no combativo povo mindelense que sempre venceu as adversidades, e exigir celeridade neste processo. Os regionalistas continuarão a apoiar intelectualmente esta causa cientes que a sua resolução dependerá agora do empenhamento de todos.

    ResponderEliminar
  2. Em poucas palavras, tem de haver coragem para mudar de alto a baixo o sistema político e administrativo em Cabo Verde. Não será com pequenos paliativos ou truques de prestidigitação que se consegue alterar a espessura e as inconveniências deste Estado impróprio para um país pobre e pequeno. Eu sou daqueles que pensam que em Cabo Verde o Estado tem de ter peso e força para poder acudir aos problemas sociais do país e capacidade para maximizar os recursos a aplicar em investimentos públicos. É certo que a iniciativa privada é importante como parceira sincera e empenhada para convergir com o Estado em quanto se traduza no bem do povo. Mas não se pense que a liberalização descuidada ou desmedida da economia seja a melhor via, porque em todo o lado vamos tendo prova de que se uma coisa que não habita no coração dos negócios privados é a preocupação com a vida das populações. Mas o Estado em Cabo Verde, para atingir aquele objectivo, tem de se reconfigurar de modo a expurgar-se de tudo o que é inútil e só serve para alimentar formalidades fantasiosas só aceitáveis em países prósperos e de outro patamar de desenvolvimento social. Agora até se lembraram de criar um Tribunal Constitucional! Assim sendo, penso que a expressão do poder político em Cabo Verde e toda a estrutura que o sustém e sustenta têm de ser o mais possível simplificados. A regionalização do país cabe perfeitamente nesse conceito e até se pode dizer que é elemento (tem de ser) estruturante da reforma que se faça para aligeirar o Estado e torná-lo mais eficaz, mais funcional e mais próximo das populações. Alguns perguntarão como é isso possível. Pois bem, começando por desmantelar o Estado que se concentrou na Praia para o emagrecer e distribuir equilibradamente pelo território. Se as populações sentirem o poder mais próximo delas, é possível que se renovem as energias anímicas para apostas colectivas em que todos se integrem. O modelo de Estado mais consentâneo no país, porque mais simples e mais aligeirado, é aquele que já foi aqui ventilado. Quem terá a coragem política e a visão para empreender essa empresa? Eu não sei, mas a sociedade civil convém que comece a fazer o trabalho de casa. Os políticos são emanação do povo, mas se se assiste à degradação da sua qualidade, assim como a perversão contínua do seu ideário de bem servir, então que se vá ao fundo do problema e se empreenda uma verdadeira reflexão nacional, de alto a baixo e transversalmente em toda a sociedade, para se tirarem as devidas conclusões e se tomarem as medidas necessárias. O que não pode acontecer é continuarem a aumentar as clivagens sociais em Cabo Verde, em que alguns vivem despudoradamente bem e outros andam a remexer o lixo à procura de restos de comida. Acho que Cabo Verde tem gente de qualidade e capaz de uma grande transformação social (revolução pacífica) que reconfigure o país para que ele não se venha a tornar um protectorado do estrangeiro.

    ResponderEliminar