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segunda-feira, 20 de abril de 2015

[8038] - DESCENTRALIZAR PARA PROGREDIR...

Arsénio Fermino de Pina
 Voltando à vaca fria … antes que aqueça em demasia

Todos os momentos são oportunos para reflexões de interesse nacional. No meio da reola do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos aprovado por unanimidade no Parlamento, que vem levantando enormes protestos e repulsa por parte de populações tradicionalmente resignadas, em que políticos e governantes ultrapassaram todos os limites do respeito devido à comunidade que os elegeu, iremos aproveitar a ocasião para nos debruçarmos sobre o estudo realizado por uma equipa a que pertenceu o ex-autarca da Praia, Jacinto Santos, sobre descentralização e regionalização. Confessou-nos o colega Ireneu Gomes que este autarca foi o governante que melhor conhecia o conceito de descentralização ao entrevistar vários governantes aquando da preparação da sua tese de doutoramento, a qual contém um longo capítulo sobre o tema. Numa entrevista relativamente recente, afirmou o ex-autarca “que o arquipélago já chegou a um ponto de não retorno, em que ou se dá o salto qualitativo, ou se regride de uma vez para sempre”. Só é pena não ter referido o contributo do Movimento para a Descentralização/Regionalização de Cabo Verde e do Grupo de Reflexão; certamente que conhece a documentação contida no livro Cabo Verde, os caminhos da regionalização, com contributos de vários técnicos nacionais experientes para a discussão do tema publicado posteriormente ao estudo da equipe que integrou.
A descentralização e o municipalismo são ambos vectores do ideário republicano e democrático, a verdadeira descentralização, visto a desconcentração que nos querem fazer engolir ser uma mistificação; juntamente com a regionalização constituem as duas caras da mesma moeda, que só tem valor com cara e coroa. Uma moeda que nos dá menos Estado e melhor Estado. Menos Estado porque algumas das suas competências serão descentralizadas, delegadas às regiões, onde serão bem exercidas, com mais eficiência; melhor Estado, porque este se pode concentrar de preferência e com mais disponibilidade de tempo no exercício de funções de soberania, de coesão e solidariedade nacionais ao nível em que é mais eficaz, como escreveu o autarca Lisboeta António Costa no seu último livro, Caminho Aberto, Textos de Intervenção Política.
A Lei-Quadro da descentralização administrativa em Cabo Verde (2010) impõe que a criação, extinção ou fusão de qualquer município deve ser precedida de um estudo de viabilidade a ser feito, obrigatoriamente, por uma entidade independente idónea, segundo nos confirma Jacinto Santos. Porém, nunca esse estudo foi realizado, o que não impediu ao Governo de criar vários municípios, alguns totalmente inviáveis, com graves problemas financeiros. Se se criarem autarquias supramunicipais, diz-nos Jacinto Santos e nós próprios afirmámos algo semelhante em artigos publicados, o Estado recua delegando nelas funções e competências para cumprir as funções do Estado delegadas. Isso também nunca se fez e nem os municípios descentraram para mais baixo (inframunicipal) - organizações da sociedade civil, órgãos corporativos, ONG e operadores económicos - até ao nível dos bairros, como estipula a lei.
Afinal, como constatamos, a Lei já define que modalidade de descentralização e transferência de competências devem ser feitas. Trata-se somente de conformar um modelo suficientemente maleável e produtivo para, numa perspectiva gradual e experimental, encontrarmos as soluções que melhor se adequem às necessidades do desenvolvimento do país. Segundo o mesmo ex-autarca, deveríamos ter começado a implementar isso desde 2011, donde, o desleixo governamental no capítulo de efectivação de estratégias. Outra omissão a acrescentar a esta é raramente se falar da legislação do PAICV sobre a ideia de Região, Administração-Ilha, e mesmo sobre a lei que define as atribuições e competências dos municípios – Lei 134/IV/95 – que refere a criação de um Observatório das Finanças Locais e da Descentralização, assunto que vem citado no trabalho do Professor universitário Luís Filipe Tavares, apresentado na Praia, em Maio de 2009. Intrigante é os promotores da descentralização e regionalização, locais e da diáspora, que vêm insistindo na urgência da criação de uma comissão independente idónea para o estudo da viabilidade e eventuais modelos de regionalização, só terem encontrado má vontade, silêncios e até críticas, como se a verdade inteira só pudesse brotar de mentes governamentais. Somente graças à teimosia e insistência desses promotores, e a argumentações a que não puderam contrapor-se, é que se constituiu uma comissão, em 2014, vindo a adiar-se a realização da mesma, parecendo ter-se fixado o mês de Abril de 2015 para o evento, embora sem nenhuma garantia de idoneidade da comissão, porque os que deram a cara nessa discussão e contributos não foram consultados. Em verdade, o centralismo não perdoa aos que fogem à bitola comum. A tendência é a promoção de medíocres por receio da competência dos que pensam com a sua cabeça.
Cremos que já ninguém tem dúvidas de que a nossa governação precisa de revisão, necessita de mais confiança que só se consegue com mais participação e maior proximidade das comunidades, isto é, com descentralização de poderes e regionalização. Democracia conjuga-se com partidos políticos; a ideia original dos partidos políticos era de serem representações dos interesses do povo através dos seus ideólogos, militantes e eleitos nominalmente (o eleitor escolhia em quem, da lista do seu partido, queria votar e não, como acontece, de ser o partido a escolher o deputado) em eleições livres e directas. Neste tipo de eleição em que o eleitor escolhia o seu candidato (uninominal), este devia e podia responder perante os seus eleitores e não, obrigatoriamente, como vem acontecendo, perante os partidos. Esse procedimento foi eliminado por contrariar a chamada disciplina partidária, de invenção posterior, disciplina não consentida que se confunde, bastas vezes, com obediência, quando, em democracia, não há lugar para obediência, mas sim a acordo.
A nossa Constituição estipula que “a participação dos cidadãos no desenvolvimento é um dever”, o que não tem sido cumprido, dado que opiniões, sugestões ou críticas do cidadão, se não coincidirem com as do Governo, ou não partirem de militantes, não são atendidas – pecha que baptizei de Ês Ca Ta Cdi! (em que ês, são os governantes), título de um livro meu – e as tradicionais peias burocráticas de funcionários excessivamente “zelosos” (zelo só vencido com subornos) emperram qualquer iniciativa dos cidadãos a ponto de levarem nacionais e estrangeiros a desistir de investir em actividades reprodutivas de desenvolvimento endógeno. Há que extirpar do seio da Administração Pública a burocracia em que se embrulhou e que paralisa o país, deixando de dar crédito e penalizando burocratas que impedem a liberdade de iniciativa e a realização pessoal em nome de não sei quê, com comportamentos altamente lesivos da Fazenda Nacional. Há certas concessões que o Estado de direito não pode consentir.
A autonomia exigida pela descentralização e regionalização tem-se prestado, por interpretação enviesada, a alguma confusão. Afinal, significa simplesmente mais poderes para gerir a receita, mas também poderes para cobrar a nível regional e local. É um princípio fundamental de maior responsabilização: quem gasta, cobra, o mesmo é dizer, maior autonomia com maior responsabilidade para se obterem resultados mais adequados, duráveis e em tempo útil, decidindo na base das competências delegadas e utilizando verbas orçamentadas, sem ter de esperar pela autorização central. É bom de ver que o centralismo se acomoda mal com tais estratégias administrativas e políticas que lhe retiram poderes, por sinal até aqueles que costuma gerir mal.

S. Vicente, Abril de 2015                        Arsénio Fermino de Pina
                                                      (Pediatra e sócio honorário da Adeco)

2 comentários:

  1. Este artigo do amigo Arsenio de Pina que participou na Cimeira da Regionalização como porta voz do GRRCV por videoconferencia vem mesmo a calhar.

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  2. Tudo na linha argumentativa que temos utilizado, mas, desta feita, e uma vez mais, primorosamente explicado pela pena do Arsénio de Pina. As evidências apontam para uma manobra de constante mistificação da palavra e das atitudes para adiar sine die a resolução deste problema.

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