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segunda-feira, 13 de julho de 2015

[8296] - CENTRALISMO VERSUS REGIONALIZAÇÃO...

Obstáculos do centralismo à vera descentralização e regionalização

Esperava-se que a Cimeira sobre a Regionalização, finalmente realizada há meses, com atraso de anos, pudesse dar início oficial a uma abordagem séria do assunto, o que não aconteceu, devido ao facto de os seus organizadores terem prescindido de nós, pró-regionalistas, estando mais interessados em discutir o velho e estafado municipalismo, com gente convidada do exterior e nacionais anti-regionalização, ou que nunca se interessaram pela aplicação dessa estratégia. Acho que esse forum teria sido muito mais interessante e proveitoso se se tivesse debruçado, na falta do livro branco prometido pelo Governo, sobre o do Movimento para a regionalização de Cabo Verde, “Cabo Verde – os caminhos da regionalização”, publicado no ano passado, que contém a colaboração de técnicos nacionais, com propostas e elementos colhidos em vários países onde se pratica a regionalização; nem se falou nesta publicação, nem tão pouco se convidou alguém do Movimento, sabendo-se que eu, um dos autores do livro e elemento do Movimento, me encontrava em S. Vicente na data da realização da Cimeira. 
Onésimo Silveira, elemento do Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde, na sua intervenção nessa Cimeira, criticou acerbamente a indiferença do Governo relativamente à regionalização e às nossas propostas, e Gualberto do Rosário, embora tardia¬mente, vem produzindo argumentação muito favorável à regionalização, ele que foi governo (ministro das Finanças e Primeiro-Ministro) e conhece bem o ambiente e os meandros da política nacional. Só é pena não se ter lembrado disso quando tinha nas mãos o leme da governação. 
O Professor catedrático de Sociologia da Universidade de Coimbra, Boaventura Sousa Santos, que esteve entre nós, a convite oficial, conhece a nossa realidade política e social por ter feito o estudo dos tribunais populares no início da independência, escreveu em 1985, em Análise Social, que o chamado “Estado paralelo, isto é, um Estado que formalmente se compromete com um conjunto de princípios e medidas às quais não corresponde nas suas práticas administrativas  concretas, criando um efeito de distanciação em relação à legalidade instituída por via do qual esta última é neutralizada sempre que os diferentes micro-estados germinando no seu interior pretendem corresponder informalmente a interesses corporativos suficientemente fortes para os mobilizar”, parecendo até estar a falar da nossa situação crioula. 
Como os nacionais geralmente não são ouvidos nem tidos em conta quando não possuem enfiada ao pescoço a canga partidária da obediência, camuflada em disciplina partidária, irei fazer uso de algumas citações que parecem aplicar-se à situação que se vive em Cabo Verde. Medite-se nesta, por exemplo: “Num país diversificado regionalmente como o nosso (…), com vitalidade regional latente mas in¬discutível, é pelo despertar dessa vitalidade regional – a nossa, em S. Vicente, foi mesmo castrada – que se poderá promover uma política de acções positivas com vista à criação de ambientes, de vivências progressivamente mais consentâneas com as raízes da vida (…). A descentralização da vida nacional é uma tarefa inadiável e imprescindível para todos aqueles que sentem a urgência de ir criando os embriões duma sociedade, duma nova ordem económica (…). Nesta regionalização em autênticas regiões, nas quais as populações se sintam integradas (…) - o que é avesso ao poder do Estado centralizado. É ao nível das regiões, quando e onde toca os interesses reais das populações e não os interesses que lhes quer atribuir o Poder Centralizado, que a política ecológica e de qualidade de vida se pode na verdade construir”[ Pessoa, Fernando – Regionalização e qualidade de vida, 1982].Esta tirada até parece nossa, do Movimento… 
Mais uma dose reconfortante: “A regionalização não se resume somente a um projecto de descentralização do Estado e muito me¬nos a uma desconcentração de serviços; é também uma forma de dignificação das populações, fazendo¬-as participar activamente, através dos órgãos regionais, num processo esclarecido de desenvolvimento (…), evitando-se ainda a macrocefalia progressiva da capital do país, as assimetrias regionais e a emigração (…). A região administrativa deve resultar, por um lado, da história, da geografia e da cultura, por outro, das possibilidades ecológicas que o seu território possui quanto à capacidade de suporte, em condições de plena dignidade de vida humana.” [Teles, António Ribeiro, 1981]. 
Recuando no tempo para situar a possibilidade aventada há tempos pelo nosso Primeiro-Ministro – à moda de ameaça, por nos ter também atirado à figura com referendo, sem estudo e debate prévio da questão, e reforço do municipalismo - da criação do cargo de governador, em alternativa à regionlização com as suas regiões, estas implicando escolha dos governantes por eleição, oiçamos Almeida Garret : “Por outro lado, os governadores-civis nada fazem porque nada podem fazer, e têm de permanecer como estafermos que a autoridade central ali põe para dissimular a sua impotência, a fingir que vela pela prosperidade pública”. Esta faz-me lembrar o amigo João Quirino Spencer, governador da Zona Norte, sempre com o telefone alapado ao ouvido quando o visitava no seu gabinete, dependente da autorização e deferimento do ministro de tutela até para assuntos de lana caprina. Autonomia, não tinha nenhuma. Aqui temos, inclusive, um exemplo dos prejuízos da partidarização da administração pública. 
A dificuldade na implementação da descentralização e regionalização é os dirigentes partidários se interessarem primordialmente pelo aparelho central do Estado e não pelas autarquias, estas relega¬das para plano secundário. Às regiões, o Poder Central retira aqueles que melhor poderiam constituir as respectivas elites, deixando bem poucos resistentes válidos no meio de muita matéria inerte, desta, um ou outro até desbragadamente crítico mas em busca de tachos para se calarem, o que vem acontecendo, por exemplo, em S. Vicente, tendo a ilha do Porto Grande fica¬do de tanga esburacada, com o inconveniente de visualização, através dos buracos da tanga, de obscenidades em termos económicos e sociais. Outrossim, os partidos favoráveis à regionalização estão geralmente na oposição; logo que alcançam o Poder, atiram para as Calendas Gregas a descentralização e a regionalização. Essa a razão por que duvidamos das declarações favoráveis dos partidos, aguardando compromissos firmes. 
A Administração Central retém e atrai, como se sabe, os recursos materiais, técnicos e humanos fundamentais. Assim, proliferam no centro, na capital, as entidades executivas, institutos e sedes de toda a espécie, comissões novas, direcções-gerais, empresas públicas, embaixadas, organizações internacionais, etc., isto é, organizações verticais e executivas com o vértice nos ministérios, organizações que desconhecem a existência das autarquias ou reservam para elas piedosas funções consultivas. 
Para se denegrir ainda mais a regionalização lança-se o boato de que ela acarretaria o esvaziamento das funções dos municípios, quando, na realidade, as integra harmoniosamente na sua função original urbana. O que não dizem é que a regionalização não é para gente preguiçosa e egoísta que só olha para o umbigo, que cultiva o desenvolvimento das cordas vocais e foge de tudo implicando realmente trabalho intelectual aturado e canseiras. “Não se pode ignorar os estragos que a ´engenharia política´ de inspiração totalitária fez no tecido social cabo-verdiano, fragilizando as famílias, a administração pública, a ética do trabalho e a sociedade civil”, isto escrito por um dos bodonas da intelligensia nacional, Casimiro de Pina, em Entre Factos e Mitos, pessoa não muito bem vis¬ta pelo Poder, por falar claro e em bom-tom, como fazia o nosso filósofo do povo, João Cleofas Martins (vulgo Djunga Fotógrafo). 
Por hoje ficamos por aqui na demonstração da má vontade e incapacidade do centralismo estatal relativamente à concretização da vera descentralização e regionalização e da despartidarização da Fun¬ção Pública. A conclusão a reter é que devem ser as organizações da sociedade civil a forçar os partidos políticos e o Estado Central, este a abrir mãos de competências e funções a delegar às regiões. 
(in A Nação)

Arsenio De Pina
*Pediatra e sócio-honorário da Adeco

1 comentário:

  1. Quando e que teremos nas maos a nossa terrinha, que actualmente controlada por uns poucos "sarolhos" que se sentem donos e senhores de algo que a todos nos pertence - CABO VERDE! Enquanto continuam nomeando e apontando os "bons filhos di terra, os lutadores da patria, para Deputados, Presidentes de Camaras, Ministros, Directores, sub-directores, enfim, os que aplaudem, e assinam de cruz a tudo que vem do poder central continuaremos como caranquejos! Bem haja e Obrigado Patricio Dr.Arsenio

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