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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

[8438] - ERA UMA VEZ, ANGOLA...« 53 »


Já tínhamos diminuído a velocidade enquanto o amigo Clementino estendia o pescoço sobre o enorme volante do camião perscrutando o céu através do pára-brisas e, numa voz soando a falsas esperanças ía dizendo que "esta vai-nos passar ao lado", quando as primeiras gotas de chuva o desdisseram e caíram sobre a cabine, como pedradas...Mas o homem não desarmava e voltava a afirmar que "isto passa, ó senhor aspirante...São Pedro é meu amigo e parente de São Cristóvão, que é o patrono dos camionistas!"...
Enfim, se a conversa do Clementino era conciliadora, o progressivo escurecimento do horizonte, o fulgor dos relâmpagos e o ruído daquelas grossas gotas de água que nos fustigavam eram mais do que desanimadoras...
Mas dei comigo a sorrir, ao  recordar que, se fosse no Mindelo, já estaríamos a comentar aquela chuvada de "matá p'tin" ou de "um ping um pot", que era como as pessoas costumavam chamar às chuvas de pingos muito volumosos, ao invés da chuva miudinha, alcunhada de "xixi de mósca"...Quando - e se... - a borrasca passasse, havia de contar estas coisas ao meu companheiro de viagem...Coisa que, aliás, nunca cheguei a fazer!
Fosse lá como fosse, eu tinha a sensação de que a tempestade não piorava à medida que avançávamos à velocidade de um caracol e a face do Clementino se ía iluminando num sorriso cada vez mais rasgado e que haveria de desaguar numa estrondosa gargalhada quando a chuva, tão súbitamente como começara, parou! Olhou para mim de soslaio enquanto arengava:
- Eu não disse!? Eu vi logo...Havia muito vento lá em cima  e quando é assim, o mau tempo passa mais depressa!
Não comentei mas bati as palmas na presunção de que ele perceberia que eu o considerava o maior de todos os meteorologistas da terra e que sempre acreditara nele...
Entretanto, o tempo clareara o suficiente para o Clementino apagar os máximos e, depois, os médios, a nossa velocidade foi aumentando gradualmente quando entramos numa zona abundantemente arborizada onde a macacada sacudia a pelagem e parecia igualmente agradada com a paragem da chuva, a julgar pela algarviada ensurdecedora que enchia o ar humido e quente da orla florestal...Esta alegria daqueles nossos parentes afastados acabou por desmontar os restos de temor que o meu subconsciente teimava em conservar e até comentei que nunca tinha visto uma mão-cheia de primatas tão divertidos...O meu companheiro respondeu que estavam muito excitados e que qualquer coisa os teria assustado a ponto de os colocar em pânico...
Abrandou a marcha e, sùbitamente, parou! Olhei para ele que, por sua vez, mantinha o olhar fixo em algo um pouco para lá do capot do camião...Desviei os olhos na mesma direcção e quase que gelei: a uns escassos cinco metros à nossa frente, um leão enorme e juba abundante, mantinha-se hirto, no meio da estrada, pescoço distendido e os olhos frios focados na copa das árvores próximas! Então, sim, entendi o desasocego dos pobres macacos até porque, via de regra, os leões caçam em grupo o que quereria dizer que devia haver por perto mais umas tantas feras aguardando, pacientemente, que do céu caísse algum dos irrequietos e barulhentos símios...
A meu lado, de olhos arregalados, Clementino parecia hipnotizado até que conseguiu murmurar de forma quase inaudivel:
- Mas que animal magnífico!
Fiquei estupefacto com esta reacção por parte de um homem que, mesmo de parca instrução certamente, era senhor de uma sensibilidade cujo sentido do belo era bem maior do que o receio primitivo de um animal selvagem e perigoso como era um, ou mais leões adultos...Aliás, eu que já tinha tido, como em devido tempo relatei, um encontro imediato com estes "felis uncia leo" lá no Alto Zambéze, tinha ficado com a dúvida sobre se o que a maioria das pessoas sente por estes belos espécimes será medo ou respeito para além, claro, da admiração!
- Continua...-

3 comentários:

  1. Mais um belo, e curto, episódio das memórias africanas do Zito. A África voltou a entrar em nossa casa e a impregnar a nossa expectativa pelo próximo episódio.

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  2. O livro memórias de África vai tomando feição.

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