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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

[8500] - RAÇAS IMPURAS...

José Eduardo Agualus

Os portugueses são, de fato, essa mistura antiga de árabes, judeus e negros

Assim como os brasileiros gostam de contar piadas de portugueses, os portugueses gostam de contar piadas de alentejanos. Os alentejanos são, digamos assim, os portugueses dos portugueses. Amo o Alentejo. Tenho uma enorme simpatia pelos alentejanos. Se tivesse nascido em Portugal gostaria que fosse em Évora. As largas planícies alentejanas lembram, até certo ponto, as savanas africanas. O Alentejo é o único lugar onde Portugal parece grande.
Durante séculos, o sul de Portugal recebeu escravos negros. Em 1761, ano em que o Marquês de Pombal determinou o fim da entrada de escravos em Portugal, ainda haveria pelo menos cinco mil a trabalhar nas planícies alentejanas. Persistem sinais dessa presença em alguma toponímia e até em certos nomes de família, de origem banto.
A influência árabe, essa, é evidente. Inclusive na música. O fado, aliás, está tão próximo de alguma tradição árabe que há quem junte as duas e é como se sempre tivesse sido assim. Ouçam por exemplo o jovem Ricardo Ribeiro, cantando, em árabe e português, na feliz companhia do alaúde do libanês Rabih Abou-Khalil. Ouçam a seguir a cantora tunisina Amina Alaoui em “Arco-íris”, um dos mais belos discos de fado que eu conheço.
Pensei nisto tudo no aniversário de Zambujo, enquanto um grupo de alentejanos, numa mesa próxima, começava a cantar. Aquele pátio belíssimo podia ser em Tanger. Podia ser em Marrakech ou em Casablanca. Neste mesmo dia, à tarde, assisti a uma reportagem sobre o drama dos refugiados sírios. Uma moça de voz estridente, entrevistada na rua, insurgiu-se contra a possibilidade de Portugal receber alguns desses refugiados ou quaisquer outros “árabes”, gente, afirmava ela, sem laços de sangue e de cultura com Portugal. Escutei-a horrorizado. Não há maneira de me conformar com a ignorância.
Lembrei-me de um episódio que me contou Mário Soares. Um dia, num encontro que o antigo presidente português teve com Yasser Arafat, para discutir o interminável conflito israelo-árabe, este chamou-lhe a atenção para a herança árabe da Península Ibérica: “Vocês, portugueses, têm de nos apoiar. Afinal, vocês são árabes”.
“É verdade.” Reconheceu Soares, e logo acrescentou: “Mas também somos judeus”.
Os portugueses são, de fato, essa mistura antiga de árabes, judeus e negros. Os brasileiros são a mistura, ainda mais desvairada, de portugueses, africanos, índios, libaneses, japoneses etc. Um português que odeie “árabes” é um português que se odeia a si próprio. Um neonazi português ou brasileiro é o mais esdrúxulo, ridículo e repulsivo dos oximoros. Contudo — pasme-se! — eles existem. Os comentários nas redes sociais, ou nos jornais on-line, são uma versão moderna dos antigos gabinetes de curiosidades, ou quartos de maravilhas, salas onde, nos séculos XVI e XVII, os fidalgos endinheirados acumulavam coleções de bizarrias, sortilégios e impossibilidades, como sereias empalhadas, cornos de unicórnios ou lágrimas de crocodilo. Nas caixas de comentários dos jornais, os prodígios, deformidades e monstruosidades não são físicos, mas ideológicos e morais. As pessoas exibem ali, com um estranho orgulho, as suas piores deformidades morais, a estreiteza aflitiva dos espíritos, as ideias mais monstruosas. Ali está a exaltada patricinha carioca, defendendo a interdição das praias da Zona Sul aos negros e pobres, ou o operário lisboeta que quer destruir a mesquita de Lisboa. Há de tudo.
Em Dresden, na Alemanha, um grupo de neonazis colombianos foi espancado por neonazis alemães quando tentava juntar-se a uma manifestação contra a entrada de refugiados sírios. Um deles queixou-se amargamente: “Já não basta que na Colômbia nos chamem morenonazis. Nós somos de raça pura, sim, apenas escurecemos um pouco por causa do clima”.
É a história do ratinho que achava que era um gato, até que um gato o comeu.
António Zambujo fez 40 anos. Para festejar o acontecimento, juntou um grupo de amigos num pátio de Lisboa. Quando cheguei, o rio Tejo, lá ao fundo, ainda guardava o último fulgor do dia. Era como um incêndio desaguando na escuridão. A escuridão era o mar. Conheci António Zambujo em São Paulo. Foi Marília Gabriela quem pela primeira vez me falou dele: “Você já ouviu um fadista português chamado António Zambujo?” — perguntou-me. Disse-lhe que não: “Não existe. Se existisse eu saberia”. Então ela ofereceu-me um disco, era o “Outro sentido”, de 2007, e eu fiquei maravilhado. Não sabia que havia em Portugal alguém a fazer música assim. Tentei justificar a minha ignorância: “Você disse-me que era um cantor português e este António é alentejano”. (in O Globo)


3 comentários:

  1. Somos e estamos todos juntos e misturados como diria Moraes Moreira, alegria é oestado que chamamos Bahia...Brasil, Portugal e Alentejo!
    ...a laia laia, la laia laia, la laia laia laia laia laia
    La laia laia, la laia laia, la laia laia laia laia la
    Ah! imagina só que loucura essa mistura
    Alegria, alegria é o estado que chamamos Bahia
    De Todos os Santos, encantos e Axé, sagrado e profano, o Baiano é carnaval
    Do corredor da história, Vitória, Lapinha, Caminho de Areia
    Pelas vias, pelas veias, escorre o sangue e o vinho, pelo mangue,Pelourinho
    A pé ou de caminhão não pode faltar a fé, o carnaval vai passar
    Da Sé ao Campo-Grande somos os Filhos de Gandhi, de Dodô e Osmar
    Por isso chame, chame, chame, chame gente
    Que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta
    É um verdadeiro enxame, chame chame gente
    Que a gente se completa enchendo de alegria a praça e o poeta
    Ah!...a praça e o poeta.
    Bjs, misturados

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  2. Por outras palavras, quiçá menos poéticas mas idênticamente patéticas, somos todos flores da mesma planta, filhos do mesmo deus, escravos dos mesmos senhores, a que só falta sermos nós, de nós, por nós!
    Beijos babelicos,
    Zito

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  3. Não me importa a cor da pele de cada ser mas quero o Direito de viver como desejo.
    Se cada um de nôs se preocupar de varrer a sujeira da sua porta viveremos em Paz.
    O sol brilha igualmente para cada um e se nos preocuparmos em embelezar a nossa
    vida tudo serà facil para nôs. Assilm podemos partilhar tudo com os nossos amigos.

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