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sexta-feira, 6 de novembro de 2015

[8618] - POEIRA DOS TEMPOS...


UMA VISITA À BARCA “ VIAJANTE”

No dia 6, a convite do Sr. Augusto Costa, capitão da barca “Viajante” , os Srs. Dr. Menezes, general Medina, Abílio de Macedo, Eugénio Tavares, Luís Costa, Lúcio Sequeira e Alferes Duque, foram visitar esse velho e histórico espécimen da antiga construção portuguesa; depois de terem percorrido todo o navio, admirado a velha solidez da sua construção, feita inteiramente, com madeiras preciosas e quase indestrutíveis pela acção do tempo; depois de a fantasia dos visitantes ter evocado, no talhe, nas linhas rudes e arcaicas do barco, as antigas naves portuguesas, que, já no pendor das nossas glórias marítimas, ainda cortavam com as suas robustas quilhas de teca, os mares descobertos pelos passados galeões dos argonautas lusitanos; banhados os espíritos entristecidos no reflexo longínquo dos ocasos da nossa passada grandeza; depois de, na contemplação enternecida desse navio que é uma verdadeira relíquia nacional, terem os visitantes retemperado o espirito, numa como que rápida e comovedora visão, no culto do patriotismo, o Sr. Costa, com a franca e espontânea amabilidade que o caracteriza, convidou os visitantes a seguirem à sala do navio, onde foi servido um almoço lauto e tipicamente português. 
A mais intensa alegria, a mais franca familiaridade, sem a hipérbole incómoda de brindes, sem o embaraço molesto de cerimónias, constituíam a atmosfera da festa íntima, de onde os convivas se retiraram pelas 16 horas, com a inolvidável impressão que deixam, sempre, as horas bem passadas, entre homens com mesmo ideal e impulsionados por altos sentimentos de solidariedade.
Nota digna de registo. 
Durante a visita, à mesa, na conversa animadíssima, aliás, francamente inesperada com picantes anedóticos, não se versou política! 
A “VIAJANTE”, de 1.153 metros cúbicos (407 toneladas brutas) de 34,m 77 de comprimento sobre o convés e 8m, 91 de boca extrema ao meio do navio; forrada de cobre, convés corrido, tombadilho, castelo e borda fixas, foi construída em 1830 nas docas de Damão, India portuguesa, por conta de Tomás Maria Bessone & C.ª. Foi primitivamente armada em galera. Por escritura de 14 de setembro de 1871, passou à sociedade comercial Bessone & Barbosa; a qual em 13 de agosto 1877, a vendeu ao Banco Lusitano. Em 15 de setembro de 1877, o banco Lusitano, vendeu ao capitão Sr. António Pedro da Costa, a metade do navio, em 8 de abril de 1881, essa metade do Banco, foi vendida à Companhia Aliança Fabril, a qual, em 13 de outubro de 1893, a passou, por venda ao Sr. António Pedro Costa, actual proprietário.
Por ocasião da inauguração do Canal de Suez, como a corveta  Infanta, comissionada para representar o governo português nessa festa internacional, batida de temporais arribasse, sem poder chegar ao seu destino a tempo de assistir à inauguração, foi a Viajante, comandada pelo capitão Sabino Gonçalves, e que, ocasionalmente passava para a India; foi a Viajante o navio que, na abertura do canal, arvorou a bandeira portuguesa e, recebida como navio de guerra, teve as honras de representar Portugal, recebendo a seu bordo a visita de todos os representantes das outras nações. Por esse serviço, o capitão da Viajante recebeu as honras de 1º. Tenente e foi condecorado. 
A Viajante é, hoje, o único navio sobrevivente da frota internacional que assistiu à abertura do canal de Suez, e a única que, ainda goza dos privilégios que a companhia do canal, então, concedeu aos barcos que representaram as nações naquela solenidade.
Diz-se que é o mais velho navio de madeira que ainda navega. É toda construída de teca. A casa do rancho em madeira de cânfora; dois dos mastros são de pau de ferro, as primeiras seis tábuas dos lados do fundo são emalhetadas; a quilha é de um só madeiro; não tem sobrequilha. A Carranca de proa, esculpida em madeira da India, representa o busto de um guerreiro índio.  
A bordo serve como cozinheiro, há 30 anos o Sr. João Baptista. Há poucos anos o armador Sr. António Pedro da Costa, concedeu uma reforma ao seu amigo contramestre de bordo, João Sena, natural da ilha Brava, que serviu a bordo, durante 25 anos. A barca Viajante é uma verdadeira relíquia da antiga construção naval portuguesa; e é, ainda hoje, considerada como um dos melhores veleiros portugueses, o que tem sido confirmado pelas suas excelentes viagens. (in "Voz de Cabo Verde" - 1913)

Nota: - Passou a navio armado e haveria de ser um dos nossos navios afundados pelos submarinos alemães durante a I GM, a 1 de Outubro de 1917...

N.R. - Desejamos aqui saudar o regresso a estas páginas da colaboração do amigo Artur Mendes, a quem se deve a descoberta destas  andaças do navio "Viajante"... Que seja bem-vindo!

2 comentários:

  1. Muito interessante! Desconhecia a existência deste navio.

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  2. Sim senhor !!!
    Boa iniciativa esta de contar a bela histôria do "Viajante".
    Força, Artur !!!

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