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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

[8793} - CABO VERDE - 40 ANOS...

11.Quando nem todos os segredos de
bastidores da Independência de
Cabo Verde
foram ainda revelados

Muito mal começa um país onde impera uma única visão do passado e do seu futuro, sem que haja opiniões contrárias no jogo do contraditório e alguém que faça de fiel da balança. Ninguém pode pretender ter o monopólio da razão e da verdade, pelo que não pode haver leituras e pensamentos únicos sobre factos políticos e históricos

Com este artigo, dou por concluída a longa série de artigos alusivos ao tema intitulado, todos publicados no Jornal Liberal durante o mês de Outubro e replicados em blogues amigos. Embora o tempo tenha sido escasso para me dedicar exaustivamente à tarefa da feitura destes artigos, fiz questão de que o marco ─ ano de 2015 ─ não fosse ultrapassado, de modo a situar-se ainda no período das comemorações dos 40 anos da Independência de Cabo Verde, que decorre até ao termo do corrente ano. Que fique bem claro que não pretendi substituir-me a nenhum especialista que use ferramentas científicas, nomeadamente pesquisa em arquivos históricos e outra metodologia apropriada, seja ele historiador, sociólogo ou político. Limitei-me a exercer o meu estatuto de cidadão para analisar retrospectivamente a história recente na óptica dos meus valores actuais. Tratou-se, pois, de uma abordagem de cidadão independente, não identificado com qualquer partido, que viveu o 25 de Abril de 1974 e o processo revolucionário que terminou em 5 de Julho de 1975 com a independência de Cabo Verde e, posteriormente, os acontecimentos que se seguiram até à data da minha saída de Cabo Verde. Como qualquer jovem, vivi intensamente o ambiente tempestuosamente festivo do 25 de Abril, participei nas manifestações de rua que tiveram o seu epicentro no Liceu. Quando se espoletou a ideia surpreendente da Independência, a qual nunca nos tinha passado pela cabeça, os jovens liceais da minha geração aderiram completamente à ideia, adoptaram-na e tornaram-se adeptos dos ideais do PAIGC, um partido que atraía pela novidade, pelas promessas de mudança e progresso, embora até à data do 25 de Abril de 1974 fosse um desconhecido para a maioria.

A ideia que subjaz a estes artigos foi, pois, fazer uma revisão retrospectiva dos últimos 40 anos de Cabo Verde, da revolução do 25 de Abril 1974 ao 5 de Julho de 2015, procurando banir do meu discurso os chavões e estereótipos habituais das narrativas ligeiras e dos “arriére penseés”, para me limitar a um exercício crítico da história recente, com base na factologia que presenciei e vivenciei e que hoje interpreto com o amadurecimento da idade e de uma mente necessariamente mais esclarecida e pautada pelos valores da actualidade. Tentei enquadrar a problemática do Terceiro Mundo e da África, em particular, no contexto histórico mundial dos últimos 60 anos, compreender as revoluções no quadro das quais se inseriu o processo de descolonização realizado por Portugal, aferindo assim a minha visão pelo panorama internacional de então e pelos debates ideológicos que dividiam o Mundo. Questionar factos e trazer a minha interpretação pessoal aos eventos que presenciei, tal foi a minha perspectiva. Tratar esses temas exige hoje um olhar bem diferente, mais distante, sobretudo em tempos em que nos confrontamos com inúmeros desencontros. Os temas dividem, pois existem muitos protagonistas ainda vivos e isso levanta paixões que poucas vezes primam pela racionalidade, pela isenção e pela observância de princípios. Admito que a minha interpretação dos factos pode ser incompreendida numa sociedade que ainda não se libertou do maniqueísmo, em que o “mainstream” politicamente correcto e dominante nos partidos impede o contraditório e desencoraja o debate arejado das ideias. Ao questionar factos históricos, tem que se fazer muitas vezes o papel de advogado do diabo (o que nem sempre é aceite ou bem compreendido pela nossa gente), colocar-se como observador no lado antagónico para tentar escrutinar o melhor possível a realidade, espicaçar os protagonistas na expectativa de que reajam positivamente aos desafios. Embora tentasse ser o mais rigoroso possível, é claro que o olhar de um cidadão leigo, desengajado, sem partido, não evita, contudo, uma leitura política e ideológica dos factos históricos, pelo que uma diferente abordagem dos problemas ou o simples questionamento sobre a veracidade de algumas versões, podem incomodar os detentores do pensamento único e incorrer em condenação a ostracismo: encarado como atitude reaccionária por uns, e perigoso esquerdismo por outros.

Na narrativa que desenhei, muita coisa poder-me-á ter escapado (talvez o essencial), pois na altura a minha compreensão dos factos históricos e da natureza das coisas era-me limitada pela idade e pela pouca vivência. Aceito isso. Convenhamos, no entanto, que 40 anos depois dos eventos que levaram Cabo Verde à independência, existem buracos, se não autênticas crateras na informação, e situações incompreensíveis para o comum dos mortais. Omissões diversas levam muitos a levantar sérias dúvidas ou suspeitas sobre a veracidade linear dos factos, tidos desde então como irrefutáveis, esperando a qualquer momento novas versões e explicações sobre o que aconteceu antes de nos ser revelada a existência de um partido que lutava pela independência de Cabo Verde e pela construção de um estado em solo cabo-verdiano sob sua batuta. Acresce que novas versões requentadas têm aparecido, sim, mas é para dar mais espessura à própria História oficial e sobretudo para impressionar os menos de 40 anos, assim se justificando a misteriosa multiplicação de heróis e factos heróicos não localizados no tempo ou no espaço do arquipélago. Para além disso, as versões de que dispomos hoje carecem de uma verificação objectiva da sua autenticidade e do confronto com o exercício do contraditório. Hélas, como já disse, muito testemunho se perdeu, tendo vigorado unicamente a posição dos vencedores, que hoje configura a versão oficial dos que ainda estão vivos, sem que alguém se preocupe em fazer um levantamento das versões dos que se posicionaram em campo oposto ou divergente, em ordem a garantir-se um legado para a posteridade que se cinja unicamente a critérios de rigor científico e de amor à verdade histórica.

Até hoje, tem havido pouco ou nenhum trabalho rigoroso, imparcial ou suficientemente objectivo sobre o período em questão, à altura da importância do assunto, por ausência de recursos, de material de estudo disponível (os arquivos, incluindo recortes de jornais, programas radiofónicos, etc., ou desapareram ou são inacessíveis, por conveniência dos que preferem a nebulosidade à volta dos factos), e talvez também por não haver ainda suficiente distanciamento temporal. Com o acelerar da História nestas últimas décadas, o tempo e as distâncias contraíram-se, os historiadores e os sociólogos foram apanhados pela velocidade da própria História. Os testemunhos de protagonistas seriam muito válidos, mas a maioria morreu sem revelar o pouco que ia na sua alma. Em geral, eram homens de uma idade avançada, muitos já desapareceram, uns calaram-se para sempre, outros acomodaram-se e não deixaram nenhum testemunho de natureza política ou mesmo os seus pontos de vista, tirando o caso do Dr. Henrique Teixeira de Sousa, que em obra ficcionista escreveu sobre o período revolucionário.

Se foi um erro histórico não se ter organizado um simpósio da reconciliação nacional (envolvendo todos os protagonistas) aquando da comemoração do 20º ou 30º Aniversário da Independência de Cabo Verde, numa altura em que se poderia confrontar os protagonistas ainda vivos, dentro de um espírito de desejável reconciliação, teria sido útil aproveitar a oportunidade dos 40 anos para se realizar simpósios e mesas redondas para debater aprofundadamente o tema, mesmo sem os grandes protagonistas dos eventos de há 40 anos, por terem desaparecido fisicamente ou da cena pública. Até porque ainda é possível contar com os jovens revolucionários de então, que estão na pré-reforma ou mesmo na reforma.

Muito mal começa um país onde impera uma única visão do passado e do seu futuro, sem que haja opiniões contrárias no jogo do contraditório e alguém que faça de fiel da balança. Ninguém pode pretender ter o monopólio da razão e da verdade, pelo que não pode haver leituras e pensamentos únicos sobre factos políticos e históricos. Pela mesma razão, pode inferir-se que nenhuma força política, por mais clarividente ou predestinada que se julgue, tem o direito de impor um único caminho a um povo, passando por cima de outras opções escrutináveis pela opinião pública. Com efeito, os actores políticos não podem basear as suas decisões em visões exclusivistas, sobretudo quando são alinhadas com estratégias ou ideologias que ignoram os caminhos alternativos que se abrem a cada momento na encruzilhada de um povo.

É irónico, se não paradoxal, que no preciso ano de 2015, em que se comemora os 40 anos da Independência de Cabo Verde, morra o último dos grandes protagonistas, o ex-renegado da UPICV Leitão da Graça, que teve a coragem de enfrentar o PAIGC. Reabilitado socialmente, não o foi politicamente, embora conste que teve direito a cerimónias fúnebres quase nacionais. Se hoje se reconhece que alguns cidadãos, como o Leitão da Graça, foram premonitórios em certa visão do futuro, nomeadamente a respeito do dogma basilar do PAIGC, a contranatura unidade Guiné-Cabo Verde, pergunta-se se não estariam com razão relativamente a outras questões. Não conheço depoimentos ou memórias deixadas à posteridade pelo Leitão da Graça, mas certamente que os há. Uma coisa é certa, o ramo cabo-verdiano do PAIGC, actual PAICV, engoliu desde a independência muitos sapos ideológicos e hoje até defende teses e tem práticas políticas contrárias à sua matriz ideológica original, teses essas mais próximas dos sectores ditos reaccionários de 1974, o que não deixa de ser irónico.

Não se pode descurar o papel da potência administrante ou colonial no processo de transição para a Independência de Cabo Verde. O destino do Império português estava todavia inscrito logo na instauração do regime autoritário do Estado Novo e da sua impossibilidade de se reformar e de perceber as mudanças no Mundo resultantes da 2ª Guerra Mundial. A conjuntura internacional dos anos 60, a complexidade crescente do problema colonial, a impossibilidade de manter os territórios pelo simples recurso à via armada, cuja maior evidência era o caso da Guiné, etc., engendrou a crise do regime autoritário de Salazar-Caetano, precipitando bruscamente a sua queda. A transição pacífica das colónias para a independência ou outro estatuto e soluções alternativas aos regimes de partido único, já eram utopia em 1974. Mas um império e uma nação com responsabilidades históricas não podia transferir o poder atabalhoadamente, deixando-o cair na rua ou a mercê dos mais espertos ou oportunistas. Contudo, foi mais ou menos isso que acabou por acontecer.  No caso particular de Cabo Verde, há indícios de conspiração MFA-PAIGC no sentido de entregar o poder exclusivamente a esse partido e arrumar a questão. De resto, o assalto à Rádio Barlavento com a conivência e cumplicidade das forças armadas portuguesas tem toda a feição de um golpe de estado encapotado, que sela o destino do processo de “descolonização” de Cabo Verde. Com a prisão das figuras importantes da oposição e a liquidação dos principais partidos da oposição, e com o êxodo provocado que se seguiu, instaura-se o regime de partido único, calam-se as vozes contrárias, os reticentes são absorvidos, e o PAIGC tem toda a latitude para implementar sem oposição o seu programa político (logo, económico e social centralizado e planificado) para Cabo Verde. Portugal livrava-se assim, a custo zero e num piscar de olhos, de um problema crónico, que seria a gestão custosa, durante um período transição, mais ou menos longo, de uma colónia miserável, ao passo que uma coligação de jovens estudantes revolucionários imberbes e combatentes cabo-verdianos da Guiné ganhavam o ‘jackpot’, a cadeira real do governador. É claro que transferência do poder deveria ter sido faseada no tempo, negociada, estudada, salvaguardando todos os interesses dos protagonistas no terreno e das pessoas residentes nos territórios e na Diáspora (os interesses dos contratado de S. Tomé não foram salvaguardados, acabando todos em situação de apátridas, assim como o de muitos emigrantes na Europa que perderam os seus papéis e estatutos, vendo as suas vidas repentinamente complicadas). Porém, por mais que se recrimine os protagonistas nas colónias, reconhece-se que a revolução do 25 de Abril, depois de ter perdido a rédea dos seus objectivos iniciais, deixou de ter condições para uma transferência de poder colonial de maneira isenta e imparcial e com salvaguarda dos interesses de todos os cidadãos. Tudo se conjugou para que os novos países experimentassem décadas de regimes autoritários, que ao fim e ao cabo foram uma réplica do poder ditatorial que fora derrubado pela Revolução de 25 de Abril. Apesar de tudo, Cabo Verde conseguiu em 1992 sacudir o pesado manto do regime do partido único, enveredar por caminhos mais civilizados, e tem vindo a conquistar o seu espaço no das nações, o que não é ainda o caso das suas congéneres lusófonas. De notar o papel da Diáspora na re-organização da oposição democrática no estrangeiro e a sua contribuição no desgaste do regime de partido único.  Sendo assim, as responsabilidades pelo actual estado político, social e económico das ex-colónias portuguesas, deve de ser, em parte, repartidas entre os regimes instaurados em 1974/75 e a potência colonial.

Para terminar, transcrevo aqui algumas questões constantes na série “Transparência e Objectividade sobre factos da independência de Cabo Verde e da 1ª República” (a lista exaustiva pode ser consultada no blogue Arrozcatum) que publiquei em Julho passado, e que se prendem com a análise e as considerações acabadas de formular:

1-Por que razão outras forças políticas (nomeadamente intelectuais cabo-verdianos de renome e referência) não foram convidadas para a mesa das negociações da independência?

2-Quais foram as posições colocadas na mesa das negociações relativamente à questão da democracia pluripartidária e ao futuro regime a implementar em Cabo Verde?

3-Por que é que não se realizou um referendo para que todos os cabo-verdianos se exprimissem livremente sobre um assunto tão importante para o seu futuro, sendo que a ruptura com a potência colonial e a criação de um novo estado exigiriam ser seladas por uma consulta popular e um veredicto acima de qualquer suspeita?

4-Por que razão as negociações para a independência não garantiram um período mínimo de transição, de pelo menos 5/10 anos, de modo a que todos os cabo-verdianos, independentemente da sua origem, convicção ou ideologia e residência (diáspora), pudessem participar para construir uma sociedade democrática e plural?

5-Como é possível que as negociações para a independência não tenham garantido pelo menos uma infra-estruturação mínima prévia de Cabo Verde a cargo da potência administrante ou da comunidade internacional, evitando os choques económicos e financeiros resultantes do vazio que se alega ter encontrado?

6-Por que é que o período de transição não foi alargado para um tempo mais vasto, por exemplo 5 anos, em vez de meses, de modo a permitir infra-estruturar Cabo Verde e dotar o país de instituições democráticas? Um ano de um governo de transição era insuficiente para um país inviável, sem condições políticas, sociais e económicas para a independência. Competia à potência colonial administrante garantir a investidura de uma administração minimamente viável e com o mínimo de recursos.

7-Qual era o verdadeiro estado das finanças de Cabo Verde em 1975? Como foi possível ter concedido a independência, e tê-la assumido, com os cofres do novo país vazios, como se afirmou, impossibilitando a assunção de todos os compromissos normais do Estado?

8- Que responsabilidade histórica recai sobre a potência colonial por ter pactuado com a implantação de um regime de partido único em Cabo Verde, assim como nas restantes colónias?

29 de Dezembro de 2015

José Fortes Lopes

Referências:

Série “Transparência Sobre Factos da Independência de Cabo Verde e da 1ª República” (In Arrozcatum):
A ─ Os combates da liberdade da pátria
B─Negociações e processo de Independência: a questão do processo de transição
C ─ Implantação da 1ª República no 5/7/1975: a questão da viabilidade do estado e a necessária infraestruração. A questão da oposição
D ─ Inconsistências do modelo político e económico da 1ª República

7 comentários:

  1. Este texto do José Lopes encerra a série de artigos que escreveu sobre os acontecimentos de 1974 e 1975, que levaram à tomada do poder pelo PAIGC e ao banimento de outras forças políticas que então se perfilaram para o debate democrático sobre o futuro do território. Esse debate não se proporcionou porque a ala esquerdista do MFA e o PAIGC se deram as mãos para o impedir, numa manobra espúria que não pode deixar de ser censurada e condenada por suscitar sérias dúvidas sobre a sua legitimidade histórica e moral. É o que o José analisou ao longo de vários artigos, que agora conclui, com a sua habitual mestria na escalpelização dos factos e com a sua frontalidade no apontar de responsabilidades que tardam em ser inteiramente assumidas. É que as responsabilidades se prendem objectivamente com injustiças e perseguições políticas que então ocorreram, sem que tenha havido o devido ressarcimento dos prejuízos causados às vítimas. E a tudo isso subjaz a magna questão da natureza do regime político que foi imposto ao povo cabo-verdiano, castrando o seu direito de livre escolha e canalizando-o para uma trilha que cada vez mais se mostra duvidosa e pejada de escolhos.
    Vale a pena ler este artigo.

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  2. "O passado ao contrário do futuro, não pode ser mudado, mas deve e tem de ser compreendido... Sob pena de estarmos sempre a tropeçar no seu incomodo cadáver"

    Boas Entradas

    Boas Entradas

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  3. RECEBIDO POR E-MAIL...From: morbey.jorgev@gmail.com
    To: jose.flopes@netcabo.pt
    Meu Caro José Fortes Lopes,
    Parabéns pela conclusão do teu trabalho e muito obrigado por me incluires entre os destinatários.
    No meu modesto ponto de vista, poderá haver ainda alguma factualidade desconhecida. O essencial, a chave para entender o fenómeno, está nas dinâmicas revolucionárias do próprio 25 de Abril de 1974. Isto é:
    - o "arquivamento" do programa do MFA quanto ao referendo nas antigas colónias, e o reconhecimento da independência da Guiné, logo em Setembro de 74;
    - o controlo do poder político pela esquerda militar e pelo Partido Comunista Português que garantiu a satelização rápida das antigas colónias pela União Soviética.Repara que a última independência formal, a de Angola, ocorreu a 11 de Novembro de 1975 e que, a 25 do mesmo mês e ano, se deu o golpe militar que tirou do Poder, em Lisboa, à esquerda militar e ao PCP. A União Soviética dava por concluída a solução estalinista da sua expansão económica para novas fontes de matérias primas e novos mercados para as suas exportações, como acontecera, noutras regiões do Mundo e que levaram à inclusão, na sua esfera de influência, da Coreia do Norte e do Vietname do Norte e deixaram para os americanos a Coreia do Sul e o Vietname do Sul.
    Esta solução, defendida por Estaline, não resultou, como ele pretendeu, na criação de duas Chinas - a do Norte pró-soviética e a do Sul pró-americana - por radical e definitiva recusa de Mao, principalmente por pressentir que ficava mais enfraquecido face a Estaline se alienasse o sul da China.
    No caso das antigas colónias de Portugal, a solução estalinista era deixar Portugal para os americanos e ficar com as antigas colónias para a URSS.
    Num contexto em que a URSS comandou os destinos de Portugal e das antigas colónias através do PCP e da esquerda militar, é fácil entender por que razão o Ministro da Coordenação Interterritorial português, Dr. Almeida Santos, tendo visitado algumas ilhas de Cabo Verde e recebido forças vivas locais que lhe expressaram o desejo de que Portugal não entregasse Cabo Verde ao PAIGC, se as não quisesse manter. Pediram-lhe que Portugal desse tempo aos cabo-verdianos para construírem o seu futuro. Esse tempo era impossível no quadro dos objectivos soviéticos. Almeida Santos não tinha poder para dar seguimento ao que lhe pediram os cabo-verdianos. E foi o que foi.
    Macau foi uma excepção na "descolonização". A esquerda militar e o PCP bem quiseram empandeirar Macau. A China, porém, não deixou. Com a sua sabedoria milenar, a China enfrentara provocações da URSS. Como a do reprentante da URSS nas Nações Unidas que, na Assembleia Geral, no âmbito da inclusão de Hong Kong e Macau na lista dos territórios a descolonizar, declarou que esses dois territórios eram duas vergonhosas verrugas na face da China. Huang Hua, representante da China, declarou apenas que HK e Macau eram territórios chineses cujo estatuto vigente então seria alterado quando a China entendesse.
    Um abraço.
    Jorge Morbey

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  4. Importante achega dá o Jorge Morbey com este depoimento. Bem vindo!

    Resta-me acrescentar que a inexperiência dos jovens militares, como eu então era, deu azo a que se permitisse a instrumentalização partidária das Forças Armadas. Na altura, ninguém alguma vez imaginou que isso pudesse acontecer. O problema é que os capitães e os majores entenderam que a hierarquia superior pouco ou nada contava no processo, e foi isso que precipitou a saída do Spínola. Este sentiu que repentinamente se lhe fugira a sustentação da autoridade e prestígio que havia granjeado. Estou convencido de que se os capitães tivessem passado a rédea dos acontecimentos aos generais, muita coisa teria corrido de modo diferente. Mas, por outro lado, pergunto até onde poderiam ir depois do tampão dos ânimos se ter soltado nas ruas, como aconteceu. Para que a transição minimamente ordeira fosse possível, tinha de se manter nas colónias os dispositivos militares, sem qualquer afrouxamento. Não foi o que aconteceu. A redução dos efectivos iniciou-se logo sem se atinar com as consequências trágicas que daí adviriam. Na Metrópole, com o poder político diluído e arrebatado nas ruas pela extrema esquerda, começou-se logo a apregoar: Nem mais um soldado para as colónias.
    A única possibilidade que havia era instaurar uma ditadura militar até que se arrumasse a casa paterna e o problema das colónias. Mas, como já se viu, os capitães subitamente aliciados pelas forças da esquerda nunca o permitiriam.
    Daí eu pensar que, não obstante as responsabilidades efectivas dos condutores do processo revolucionário, a génese do problema que viria a revelar-se dramático para as colónias, principalmente para elas, foi o facto de não se lhes ter concedido, em devido tempo, uma autonomia progressiva, na década de 50. As responsabilidades do regime anterior são, portanto, inquestionáveis.

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  5. Aqui está o busílis da questão Adriano. A reacção/resposta da Metrópole à evolução dos acontecimentos foi tardia e desajustada.Só isso o resto são floreados. Nada do que aconteceu teria acontecido se a Metrólopole não tivesse acontecido um precalço no seu percurso histórico: O Estado Novo

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  6. Tem toda a razão, meu caro Dr. Fortes, "mal vai um país" que quer forçar uma mono visão ainda por cima, facciosa da sua História! O seu texto está muito bom! Continue assim. Se todos fizermos de forma fundamentada a nossa parte, teremos uma História diversificada de pontos de vista, dos factos então ocorridos.
    Bom ano!
    Abraços Ondina

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  7. Obrigado Drª Ondina pelas palavras estimulantes. O meu objectivo foi promover um debate sobre as questões que debrucei nestes artigos, quetões essas que exigem uma visão aberta e descomplexada do passado para melhor perspectivarmos o futuro. Bom Ano para si também, abraço

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