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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

[8882] - PRETIDÃO DE AMOR...


A "RAÇA" NEGRA

Luís de Camões e a escrava Bárbara

Em 1893 um fino burilador de prosa portuguesa, não menos dedicado na frase que profundo na erudição deu à estampa, Imprensa Nacional de Lisboa, em artística edição, uma linda monografia, acerca das célebres redondilhas de Luís de Camões – “Endechas a Barbara escrava “ – com traduções em muitas línguas e dialectos.
A esse “ramalhete poliglótico”, deu, o ilustre publicista, o título de “ Pretidão de Amor”.
Toda a erudição, todas as rendilhadas belezas que dão, a esse delicioso trabalho, valor incontestável, não conseguem desvanecer, no espirito dos leitores que conhecem a raça negra, algumas pequeninas inexatidões inspiradas nos preconceitos que ainda hoje tão mal predispõem os brancos, mesmo os mais inteligentes e criteriosos, no que respeita à raça negra. E se, de um lado, como atenuantes de semelhantes erros, se nos apresentam, como razão, o facto de desconhecimento da raça negra; de outro, como agravantes de força a desautorizar a crítica dos negrófobos, está essa razão de ignorância, que suficiente devia ser para reduzir a silêncio todos os acusadores gratuitos da raça negra, desde os que delicadamente se arrepiam de crer que Camões tivesse amado uma preta, até outros apologistas não menos conscientes que ridículos, que apregoam a monstruosidade de bárbaros princípios “malthusianos” que convém aplicar à raça negra.
Neste apreciável trabalho – “ Pretidão de Amor” – o autor, estabelecendo a duvida de que Camões tivesse amado uma negra, produz, ainda assim, lealmente, testemunhos que abonam a veracidade do facto histórico, e que, honrosamente se evidenciam justos para com a raça negra, incontestavelmente melhor dotada, no actual estado de incultura moral, de qualidades e virtudes, que os brancos, em igual período de desenvolvimento espiritual. Ainda hoje, entre os próprios selvagens do centro de África, ainda no estado primitivo, não é possível assistir-se a actos de malvadez e selvajaria, que sequer possam ser comparados aos que, ainda na idade média, constituíam festas religiosas, preparadas e executadas com os mais repugnantes requintes de barbaridade pelos próprios que se diziam apóstolos de religiões baseadas na bondade e no amor.
Recortaremos, no estreito espaço deste artigo, alguns destes testemunhos: E com eles provaremos que a presença do preto na grande festa nacional em que o povo português comemora a data da ressurreição, é um direito que os prejuízos não podem sequer contestar quanto mais revogar. É um facto histórico, o direito que a raça negra da nacionalidade portuguesa tem de comparticipar das glórias pátrias, e de seguir, ombro a ombro, nos cortejos cívicos, ao lado dos portugueses de pele branca. E direito inatacável, selado com os beijos que os lábios divinos de Camões teriam imprimido nos lábios dulcíssimos de Bárbara cuja presença, serena amansava as tormentas na alma do grande épico.
A maior glória nacional amou uma preta. E desse amor, como fruto imorredouro, ficou esse poema que é a mais bela flor do lirismo português, a versão em crioulo da ilha Brava, feito por quem estas linhas subscreve, e inserida na “Pretidão do Amor”.
Essas famosas redondilhas apareceram na primeira edição das “Righ(…) de Camoens 1595) com o seguinte titulo:

Endechas, A boa cativa
com que andam de amores na India, chamada Barbara.

Transcrevemo-la da “Pretidão do Amor”:

Aquela cativa 
Que me tem cativo,
Porque mais vivo
 Já não quer que viva.
Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que pera meus olhos
Fosse mais formosa.

Nem no campo flores, 
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.

Rosto singular,
Olhos sossegados, 
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
Que quem é cativa.
Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

Pretidão de Amor,
Tão doce a figura, 
Que a neve lhe jura
Que trocava a cor.
Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas bárbara não.

Presença serena
Que tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda a minha pena.
Esta é a cativa
Que me tem cativo;
E, pois nela vivo,
É força que viva.
…………………………………………………………………………………..……..
Segue a versão em crioulo da Ilha Brava ( Eugénio Tavares)

Quel bonita scraba,
Qui tenê’n catibo,
Pamó’ ‘n dál nha bida.
Câ crê p’na stâ bibo.
Tê oji qu’in odjâ rosa
Num mot bidjabo
Qui mé na nha ôdjo

Nim ramo na campo, 
Nim stréla nâ céu.
‘N tâ atchá tam frumóz
Cumâ nha cretcheu,
Rosto só di sé’l;
Ôdjo madornado
Preto stancadinho, 
Má sem ser di matâ.

Um luar cu bida
Stâ né’l morado
Pâ ser sinharinha
Di quem qui ê marrado.
Cabilinho preto.
‘N dâ renti bóz
Tâ perdê entendêr
Má lôro e frumóz.

Pintura di amôr, 
Tan dóci figura
Qui nébi djurá’l
Qui êl trocâ cor.
Mansura contente, 
Má seria lá qui…
Tâ parcê bem stranho
Má brabo êl câ é.

Ariado di saído
Qui tâ mansâ mar:
Lindura né’l arcansâ
Tudo nha pezár.
Ês ê quel cativa
Qui tenê’n catibo, 
‘N pô n’ stâ bibê n’él
Na al lidâ ‘n stâ bibo.
……………
Nota : “Endecha” – Classificado pela Voz de Cabo Verde – É uma composição poética sobre qualquer assunto melancólico, do século XVI…. No presente caso de Camões é uma canção triste, de tom lamentoso e sentimental. Esse estilo de foi transportado para a música, como variedade de canção fúnebre portuguesa do século XVI . V. Koening
 Voz de Cabo Verde – 1912          (Continua).

(Pesquisa de Artur Mendes)





3 comentários:

  1. Que coisa mais linda !!!
    A isto digo que deve ser o perfeito exemplo de uma das muitas e belas "atlantidas"
    Lembra-me, tabém, as maravilhosas fotos, a preto-e-branco, do nosso fotôgrafo amigo JORGE MARTINS (Djô Banha). Colecções a ver e a rever pois o moço não pàra de produzir. Sempre encontra (ou cria) novos modelos.

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  2. Acredito que Camões tenha, de facto, amado uma preta, tal como muitos outros portugueses ao longo da história lusa além-mar e, mais tarde, aquém. E o imortal vate não era de ferro, pois não?

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  3. Camões o homem do além mar terá de certeza ao longo do seu périplo contacto com diferentes raças e obviamente tido relações amorosas com outras mulheres.

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