Que seja do meu conhecimento, tudo começou com D. Gertrudes Vieira aqui sentada ao centro, com os seus, talvez, 80 aninhos, já que presumimos que esta foto seja de 1930...Essa senhora foi minha bisavó, a quem a gente chamava de Vó Tuda... Já eu era vivo quando ela se foi e recordo ter estado no seu funeral, estranhamente contente...Porque minha mãe me tinha comprado umas meias pretas, daquelas até ao joelho, que eram o meu orgulho...Se calhar eu não teria conseguido as almejadas meias altas se a velha avó não tivesse morrido e o facto acabou por me marcar de forma indelével pois jamais esqueci a dor da perda um tanto atenuada pelo prazer das meias novas... Coisas de miúdo inconsciente!
Sempre ouvi dizer e constatei-o pessoalmente, que as matriarcas da minha família materna leiriense eram mulheres pro-activas. Minha avó Lucília, aqui sentada à direita da mãe, que casou com o Senhor Faria que não cheguei a conhecer, teria sido a "alma-mater" de um estabelecimento de comes-e-bebes, uma espécie de percursor dos restaurantes que, à época se apelidavam de "Casas de Pasto"... Era nas margens do Rio Lis, na baixa da cidade onde, muito mais tarde, esteve instalado o terminal da Rodoviária Nacional... Os petiscos e a pinga da Ti Lucília tinham uma fama quase tão notória como a inclinação do Senhor Faria para pular a cerca matrimonial...A filha, D. Laura, que na fotografia aparece por detrás dela, herdou-lhe a mão para o tempero e o faro comercial.
Na realidade, minha mãe dava apoio ao meu pai Azevedo no estabelecimento, ao balcão dos objectos de ourivesaria e, nos últimos anos de actividade no Mindelo, também vendia selos fiscais e dos CTT, graças a uma parceria com a Fazenda e os Correios, que lhe rendia cerca de 3% de lucro. Tinha instituído um sistema de vendas de peças de ouro e prata a prestações graças ao qual muita gente de posses reduzidas não deixou de comprar o seu cordão, pulseira, brincos e anéis...
Mas, claro, esta actividade não doméstica de minha mãe só foi possível pois tínhamos lá em casa outra jovem matriarca que mantinha a casa e a nossa roupa nos "trinques" e cozinhava divinamente: era a Nininha de quem, aliás, já tive oportunidade de aqui falar e que, nos temperos, dava continuidade à tradição de D. Lucilia e D. Laura...
Não sei se será por esta tão vasta convivência com mulheres com estatutos muito definidos que me tornei admirador incondicional do género feminino. Em todos os sentidos e em todas as latitudes, diga-se, pois também não sou homem de meias tintas!
Umas palavras finais para as outras duas figuras da foto. À esquerda Vó Tuda, a tia-avó Dina, em cuja casa se comia um doce de tomate cujo sabor jamais se esquece e a filha, Georgette, a quem a gente chamava Jójó e com quem eu costumava ter um interessante diálogo quando era muito miudo:
- Jójó, dás-me um bocadinho de açúcar?
- Dou!
- Então, dá!...
Não sei se será por isso que sou, confessadamente, guloso!
Quando a árvore é boa, em geral os frutos não degeneram...
ResponderEliminarBraça familiar,
Djack
Estes mergulhos na memória é que dão sentido à nossa existência, ainda mais quando são reportados com o sentimento e a autenticidade com que o Zito o faz.
ResponderEliminarEstou com o Joaquim Djack, "quando a árvore é boa..." para além do mais, e pela fotografia, apercebe-se que o nosso Zito herdou os traços bonitos da mãe.
ResponderEliminarAprecio as recordações de família comprovadas pelas fotografias. E verdade Adriano, estes "mergulhos" memoriais, são um pilar bem justificativo do nosso ser.
Abraços