Cabo Verde Direto começou a reproduzir, a partir de segunda-feira, 02, as intervenções dos oradores da Palestra/Debate “Cabo Verde: A Encruzilhada da Regionalização”, que teve lugar, em Lisboa, no último sábado e contou com intervenções de Adriano Miranda Lima, Arsénio Fermino de Pina, José Fortes Lopes e Luiz Andrade Silva
Representação parlamentar em Centralismo
Realidade do centralismo expressa em números (Parte B)
«Como concluí no artigo precedente, embora a temática tratada em Realidade Eleitoral e Representatividade seja de extrema importância e actualidade, não é, todavia, o objectivo deste trabalho apresentado neste debate. Queria dedicá-lo aos ‘números’, à sua análise, à questão do Centralismo espelhada na realidade dos ‘números’.
Com efeito, num olhar mais demorado sobre a distribuição dos deputados pelo território nacional constatamos que ela não espelha a tal visão coerente de Unidade Nacional que se pretende e se proclama, mas sim reflecte uma mera contabilidade baseada no número de habitantes. Então vejamos! O Parlamento cabo-verdiano tem a seguinte distribuição por ilhas:
A - Santiago-33 (Santiago Norte-14; Santiago Sul-19);
B - S. Vicente-11; S. Antão-6; Fogo-5; Sal-3; Diáspora-3;
C-Boavista, Maio S. Nicolau e Brava-2 para cada ilha.
Entrando um pouco na análise detalhada destes números, constata-se que, não obstante a importância relativa de todas as ilhas, e de cada pequena parcela deste arquipélago no conjunto da nação:
- Santiago elege 3 vezes mais deputados do que S. Vicente;
- Santiago elege 5 vezes mais deputados do que S. Antão,
- Santiago elege 15 vezes mais deputados do que as ilhas pequenas, mas não menos importantes, tais como Boavista, Maio, S Nicolau e Brava.
Estou convencido de que qualquer democrata que olhe cruamente para os números responderá que não vê problema nenhum, pois a ilha mais povoada, com uma população actual correspondendo a um pouco mais de metade da população de Cabo Verde, elege o maior número de deputados: basta aplicar mecanicamente uma regra de três simples, baseada no número de habitantes e obtém-se a distribuição de deputados pelas ilhas. Matematicamente é elementar ou quase óbvio!
A priori, o democrata teria razão na aplicação de tal regra, se Cabo Verde fosse um país continental, e não arquipelágico. Só que talvez seja preciso lembrar-lhe que a importância de cada parcela do território de Cabo Verde não deverá ser medida pelo número dos seus habitantes, mas sim, e também, por outros factores, tais como a sua importância ‘estratégica’ intrínseca no todo, e sobretudo tendo em conta o princípio da unidade no arquipélago. Não restam dúvidas que há nestes números uma grande assimetria para um país que oficialmente proclama com uma convicção ideológica, quase religiosa, o conceito de Unidade Nacional.
Na realidade, esta distribuição que resulta de uma fórmula inventada na Constituição da 1ª ou da 2ª República (por um homem ou grupo de homens?), é, talvez, a expressão de uma vontade, disfarçada ou não, de aprofundar assimetrias nacionais em Cabo Verde. Se o centralismo nasceu com o partido único, ele é revigorado em democracia, através de uma lógica aritmética dos números, inerente à concepção simplista da democracia formal e abstracta. A situação agrava-se dia após dia e décadas a fio, acarretando o aprofundando das divergências sociais e económicas entre o centro e as periferias do arquipélago artificialmente criadas. Esta realidade formata a natureza actual do poder político cabo-verdiano e a sua distribuição regional em Cabo Verde, que é um país arquipelágico composto por 10 ilhas, cada uma com as suas especificidades, que são a sua riqueza, a começar pela geográfica.
A primeira questão que se pode colocar, é se estas proporções farão sentido num país arquipelágico como Cabo Verde, que defende o acima enunciado princípio da Unidade Nacional? Uma outra questão, é se estas proporções farão sentido no mesmo país, em que não somente deveria contar a democracia dos números, mas também os equilíbrios regionais e nacionais? A importância económica, cultural ou política, os princípios sagrados, tais como os do equilíbrio, da equidade e da justiça, para além do peso populacional, não deveriam ser factores a ter, também, em conta na equação no cálculo da representatividade parlamentar? A resposta a esta questão pode ser sim e ou não, dependente dos pontos de vistas e das opiniões!!
Fará sentido que num país arquipelágico que defende todos estes princípios, possa haver e aceitar, diferenças tão gritantes, a ponto de, a maior ilha ser representada por um número de deputados, entre 3 a 15 vezes superior ao das restantes ilhas? Talvez não! Pois, a desproporção é tão gritante que leva a questionar se um cidadão de uma pequena ilha pode considerar-se em pé de igualdade com um de uma grande ilha, tendo em conta a grande disparidade na representação; se serão todos iguais perante a nação, ou se uns são mais iguais do que outros? Tendo em conta as eventuais respostas, e no caso de não se concordar com a distribuição actual, é, então, questão para se perguntar, se não haverá outros critérios de distribuição de deputados por ilhas, para além do peso específico da população, que implicariam uma redução na diferenças no número de deputados entre as ilhas? Porque é que este rácio da diferença entre a maior e a menor ilha, não poderá ser ‘plafonado’ a 5, em vez dos 15 actuais? Obviamente que uma tal redução implicará uma redistribuição total das cartas no seio dos partidos e no poder em Cabo Verde, o que poderia aumentar a representatividade de todas as ilhas e aprofundar o espírito de Unidade Nacional! Será isto do agrado do poder, das elites e do "establishment" político assim como das máquinas partidárias?
Pois este assunto entrosa com Políticas: (1) a distribuição dos poderes em Cabo Verde, que já é uma realidade nas máquinas partidárias e na estatal; (2) a distribuição do investimento em Cabo Verde. Em todos estes casos aplicam-se, hoje, mecanicamente a regra de três simples, com o argumento de que estes devem ser feitos proporcionalmente ao número de habitantes e à dimensão de cada ilha, sem ter em conta as potencialidades de cada região, sendo que a ilha de Santiago tem levado nas últimas décadas a fatia do leão. De resto, apesar da aparente importância das 9 outras ilhas, que de resto só se denota nas campanhas eleitorais, os seus pesos políticos são hoje praticamente nulos, as máquinas partidárias e estatais pouco se preocupam hoje com os problemas de representatividade regional. Um caso paradigmático desta saga de iniquidades em Cabo Verde, foi o da instalação do Campus Universitário de Cabo Verde na Praia-capital, onde os decisores só tiveram em consideração na sua ponderação, o peso populacional, sendo que uma ilha como S. Vicente, com toda sua tradição histórica, cultural, intelectual e económica, viu-se preterida de mais este investimento estruturante e dinamizante a todos os pontos de vista, com o argumento (ou desculpa esfarrapada) de não ter a população ou massa crítica, ou de não ter hoje uma economia que justifique tal investimento. O absurdo de tais conclusões é tão grande que dispensa aqui comentários.
Antes de concluir esta questão convém realçar um facto: nos países onde questões de equidade e justiça nacionais e regionais puseram-se ou põem-se, elas são, em geral, resolvidas por via da discriminação positiva após diálogo e concertação. É assim que regras de proporcionalidade são implementadas com coeficientes de correcção para evitar disparidades gritantes e criar um clima de ‘fairnesss’ no seio das referidas nações. Daí que advogo ser curial a implementação de regras, pesos ou ponderações mais justas em tudo o que implica representatividade e distribuição de recursos humanos e financeiros em Cabo Verde. É tempo de se abolirem as assimetrias e a iniquidade em Cabo Verde.»
[continua]
Leia, ainda:
Cabo Verde e a encruzilhada da regionalização (I)
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