Breves subsídios para a regionalização administrativa em Cabo Verde
I Nota prévia
1. A questão da regionalização do País tem assumido, nos últimos cinco anos, feições que parecem não ter contribuído muito para o perfeito esclarecimento das populações em todas as ilhas (exceto para um gr upo de ativistas nas ilhas de ilhas
S. Vicente, Santo Antão e S. Nicolau,) sobre uma matéria que deve ser tratada nos seus devidos termos, ou seja de forma ponderada.
Em 2010, através da Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, que, nomeadamente, estabelece o quadro da descentralização administrativa, foi prevista, pela primeira vez, no ordenamento jurídico pátrio, a figura de Regiões Administrativas, enquanto autarquias locais de grau supra municipal, tendo na aludida Lei sido regulados, em linhas gerais, o processo de criação em concreto das regiões administrativas1, os investimentos públicos a cargo das Regiões Administrativas2, e a criação em geral das Regiões Administrativas que deve ser feita simultaneamente3. Coube assim ao Governo do VI Legislatura, suportada pelo PAICV, a introdução do conceito de Região Administrativa, excluindo-se totalmente, e bem, a ideia de regionalização política integrada em Poder Regional.
Prevista na citada Lei a Região Administrativa, não foi tomada, infelizmente, pelo Governo de então a iniciativa de definir o regime jurídico específico da Região Administrativa, e, em diploma legal adequado (v.g. Resolução de Conselho de Ministros), aprovar as linhas gerais a que haveria de obedecer a condução do processo de regionalização durante a Legislatura seguinte (2011-2016) ou seguintes, missão essa precedida de elaboração de um “Livro Branco sobre a Regionalização”.
1 Segundo o nº 4 do artigo 7º da Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, a criação em concreto das Regiões Administrativas depende de lei da Assembleia Nacional e do voto favorável da maioria das Assembleias Municipais que representem a maior parte da população da área regional, de acordo com o último recenseamento gera da população. Já o nº 5 do mesmo normativo preceitua que compete à Assembleia Nacional promover a consulta à Assembleia Municipal, para efeitos de votação.
2 Conforme o nº 1 do artigo 21º, às Regiões Administrativas incumbe, quando estejam criadas, assegurar o planeamento, a realização e a gestão nos respetivos territórios, de investimentos públicos de interesse regional respeitante às suas atividades, salvo o acordo escrito em contrário celebrado com a Administração Central, com as Freguesias ou com organização da sociedade civil.
3 Segundo o artigo 41 da citada Lei, as Regiões Administrativas são criadas simultaneamente por lei da Assembleia Nacional.
Não tem assim fundamento a afirmação bastas vezes badalada de que o PAICV é contra a regionalização administrativa, embora se admita que o Governo suportado pelo PAICV não deu prioridade devida, na VII Legislatura, ao processo de regionalização.
Porque havia demora, talvez injustificada na definição do regime jurídico específico das Regiões Administrativas, o Governo entendeu que, enquanto não se procedesse à instituição em concreto das regiões administrativas e em ordem ao estabelecimento de políticas estratégicas regionais, de redução de disparidades advindas da especialização e melhor aproveitamento da disponibilidade local de recursos naturais, seriam instituídas Regiões- Plano, conforme se depreende do artigo 59º da Lei nº 72/VIII/2014, de 19 de Dezembro, que define as bases do Sistema Nacional do Planeamento
Pensa-se que uma vez feitas as instituições em concreto das Regiões Administrativas, as Regiões-Plano desapareceriam sem mais formalidades.
2. Tendo o Governo suportado pelo MPD adotado, em sede de Programa do Governo, uma orientação de base da filosofia política da regionalização que poderá oportunamente ser vazada em Proposta de Lei a ser presente, para aprovação, ao Parlamento, o PAICV deve, sem perda de tempo, compilar as várias visões sobre a regionalização manifestadas, de forma organizada, pelos seus militantes e quadros que poderão servir de base ao seu Projeto de Lei sobre a Regionalização. Considera- se de grande oportunidade politica que o PAICV apresente à Nação a sua visão de regionalização de Cabo Verde, nomeadamente propondo a alteração de alguns aspetos que se encontram ultrapassados da Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, e mesmo a revisão do estatuto constitucional do Poder Local, o que é muito relevante dada a circunstância de exigência de maioria qualificada para decidir em sede parlamentar sobre a regionalização de Cabo Verde.
3. Sendo defensor de há muito da regionalização administrativa, ouso alinhar algumas ideias para o debate sobre a matéria de regionalização de Cabo Verde, tendo sempre como base a circunstância de as futuras regiões administrativas, enquanto autarquias supramunicipais, deverem surgir como pólos de comunidades com dimensão humana, técnica e financeira adequada à realização dos interesses locais que os municípios, em virtude sobretudo da sua pequena dimensão, não estão minimamente em condições de concretizar.
A regionalização administrativa jamais porá em causa a municipalismo já enraizado nestas ilhas pela razão singela de que ambas integram o Poder Local, e o municipalismo é compatível com a regionalização administrativa.
A coesão nacional e os laços de solidariedade entre os cabo-ver dianas não serão afetados com a regionalização administrativa que se integra sempre no Poder Local.
Razões de limitado tempo disponível para a elaboração deste texto e a sua finalidade não permitem fundamentar as questões aqui expostas, facto de que se pede desculpas aos presentes.
II Regiões, regionalização e regionalismo
4. O termo região é equívoco porquanto, administrativamente, podem-se descortinar três espécies de região:
a) Região Plano, integrada no Poder Central (desconcentração do Poder Central);
b) Região Administrativa integrada no Poder Local (descentralização administrativa ou não autónoma); e
c) Região Politica, ou Autónoma integrada no poder regional (descentralização politica, autónoma)
Ao se falar em regionalismo ou em regionalização, há que sempre ter o cuidado de distinguir as várias espécies de região, como acima se refere, em ordem a prevenir que se estabeleça confusão de tal ordem que o cidadão comum não chega a perceber o que se entende e ou se tem em vista com a regionalização.
Região-Plano
5. As regiões-plano previstas no artigo 59º da Lei nº 72/VIII/2014, de 19 de Dezembro podem ser a um tempo instrumentos de desconcentração do sistema de planeamento e de desconcentração em geral, fazendo com que não haja concentração de poderes na Praia, enquanto capital do País.
A instituição de Região Plano que seria uma grande reforma na década de 1990, crê-se que perdeu hoje atualidade face ao interesse que a regionalização administrativa suscita no País.
O Estado pode e deve sempre descentralizar os seus serviços e instalá-los na sede de uma Região Plano, se existir. Reconhece-se a vantagem da desconcentração na medida em que torna o Poder Central mais próximo das populações, permitindo uma maior eficiência dos serviços e soluções mais rápidas e adequadas.
Aqui, há que ter presente que uma coisa é a desconcentração dos serviços ministeriais, uma delegação de poderes, outra coisa é a descentralização de poderes, isto é, a transferência de poderes para o Poder Local, neste caso para a autarquia de grau superior, a Região.
Enquanto se prepare o processo complexo e moroso de regionalização administrativa, deve o Governo proceder a uma ampla desconcentração de poderes para os serviços periféricos com a finalidade de se diminuírem os atos administrativos que devam subir á Praia para a decisão, devendo os mesmos, em regra, serem decididos no próprio concelho de residência dos administrados.
Inviabilidade do Poder Regional6. A opção fundamental do legislador cabo-verdiano expressa na Constituição, é uma opção clara pela descentralização administrativa, e não pela descentralização politica que é sempre conexa à atribuição de poderes legislativos próprios (Região Autónoma).
É correto assim o entendimento segundo a qual o território cabo-verdiano, além de insular e arquipelágico, é demasiado pequeno para se pensar em Poder Regional, necessariamente dotado de poderes políticos, materializados num Governo Regional e num Parlamento Regional.
A ideia de regionalização política deve ser pura e simplesmente afastada, por irrealista.
Necessidade de descentralização administrativa7. O que se pretende, na atualidade, é descentralizar transferindo atribuições e recursos do Estado para as autarquias locais. Procedendo assim, há o fortalecimento do Poder Local e se faz a divisão vertical de poderes entre central, regional (que sempre integra o Poder Local e nunca o Poder Regional) e local
Porque como foi referido que na realização dos interesses locais os municípios não estão minimamente em condições de os concretizar, há que avançar, sem pressa, para o grau superior do Poder Local: Regiões Administrativas.
8. Ao se pretender a regionalização para estas ilhas, há que ser modesto e realista pensando apenas em regiões administrativas que necessariamente são autarquias locais supramunicipais (ou autarquias de nível mais elevado) que, por sua vez, não passam de associações de Município com afinidades geográficas, económicas, culturais e sociais para a resolução de problemas comuns.
As Regiões Administrativas, embora não mencionadas especificamente na Constituição, constituem expressa e inequivocamente autarquias locais conforme a doutrina da alínea c) do nº 1 do artigo 6º da Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, que, nomeadamente estabelece o quadro da descentralização administrativa.
9. Ao se falar aqui no “regional” quer-se referir-se ao “regional administrativo” que faz parte do “local” ou seja do Poder Local, com os atributos constantes da Constituição, classificando-se como uma autarquia supramunicipal.
III Regionalização administrativa: os fundamentos
10. A regionalização abrange um conjunto de medidas de carácter institucional, integradas num processo evolutivo ao longo do tempo, com a finalidade de conduzir à criação de instituições regionais, bem como ao reforço da sua capacidade de decisão autónoma. Com ela, pretende-se, ao fim e ao cabo, transferir atribuições e competências, de serviços e de recursos humanos, financeiros e materiais, para entidades independentes do Estado, as regiões, que serão dirigidas por órgãos próprios, eleitos e representativos das populações respetivas.
A regionalização é, a um tempo, um grande projeto de descentralização do Estado, e uma forma de dignificação das populações que, através de órgãos regionais, podem participar num processo esclarecido de desenvolvimento.
11. Em Cabo Verde, os fundamentos da política de regionalização administrativa não têm assento diretamente na Constituição que, infelizmente, tratando-se de autarquias locais, apenas se refere aos municípios, tidas como unidades fundamentais do Poder Local, tendo contudo previsto a existência de autarquias de grau superior ou inferior ao município.
Face a essa circunstância, a necessidade de regionalização pode corresponder a uma orientação de base da filosofia política do Governo, da maioria que o suporta e do partido que o apoia, orientação essa que tende a vivificar e fortalecer a democracia.
Fundamentos da mesma política podem também ser surpreendidos na exigência do desenvolvimento económico, social e cultural de Cabo Verde e da correção das desigualdades pessoais, sectoriais e geográficas que ainda caracterizam a sociedade cabo-verdiana. Com regionalização podem-se criar condições para, gradualmente, eliminar a assimetria prevalecente, bem como as fortes discrepâncias de nível de vida e de qualidade de vida existentes nas diversas ilhas, e para oferta a todos os cabo-verdianos de uma efetiva e igualdade de oportunidade.
A região será uma entidade jurídica a que corresponde ao espaço de menor dimensão territorial a que se podem referenciar decisões de natureza macroeconómica, podendo haver insuficiência de escala abaixo dela. Entre nós, há muitos projectos cujos fins são mais bem prosseguidos no âmbito de uma região do que a nível nacional ou local, fazendo jus ao princípio da subsidiariedade.
A regionalização pode romper com a tradição centralizadora do direito público cabo-verdiano instituído desde a época colonial que a Independência não lhe pôs fim, embora o atenuasse grandemente.
O modelo de regionalização que se delineia aqui conferirá às Regiões Administrativas um papel de coordenação funcional entre administração central e administração local, constituindo-se também como centro de promoção, integração e articulação das políticas públicas e assegurando direitos de representação e participação, compatíveis com a sua natureza, no Conselho Econômico, Social e Ambiental, através do Conselho para o Desenvolvimento Regional.
IV Regionalização administrativa: a orgânica Necessidade de haver fases do processo de regionalização
12. O processo de regionalização de Cabo Verde não pode ser feito com pressas ou com precipitação. Pensa-se que a concretização dessa política exige, além do mais, muita prudência, realismo e ponderação em ordem a prevenir passos prematuros que possam originar retrocessos indesejáveis.
É realista afirmar que o processo de regionalização pode levar algum tempo. A orgânica da regionalização pode ser feita até meados de 2017, mas a transferência global de poderes, serviços e recursos para as regiões poderá efetivar-se num prazo de dois a três anos, de modo a que a Região fique operacional no início da próxima Legislatura. Não é muito tempo, se se atentar que outros importantes diplomas legais conexos à regionalização têm de ser editados antes.
É fundamental que o atual Governo apresente á Nação, com urgência possível, um documento oficial que define as linhas gerais do processo de regionalização, com calendarização das suas diferentes fases.
Natureza jurídica da Região
13. Como já foi dito, a Constituição limita-se a prever a existência de autarquias de grau superior as quais obviamente integram o poder local. Tais autarquias denominam-se regiões administrativas, conforme a referida Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto.
A natureza jurídica das regiões administrativas não suscita dúvidas. Já que a própria Constituição e a Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, lhes atribuem a natureza jurídica de autarquias locais.
Necessidade da existência da Lei Quadro de Regiões Administrativas
14. Face ao silêncio da Constituição sobre a regionalização administrativa, irá caber ao legislador ordinário (Assembleia Nacional), após optar por ir por diante com a regionalização administrativa, definir quais as funções dominantes na Região; quais as atribuições e competências que serão conferidas à Região; e qual a divisão regional do território, isto é, o número e dimensão das Regiões
Nesse sentido, à semelhança do que se fez para os municípios, em 1995, torna-se necessário aprovar, na Assembleia Nacional, a Lei Quadro das Regiões Administrativas que, além do mais, deverá contemplar obrigatoriamente:
a) Princípios gerais, com destaque para o princípio de subsidiariedade;
b) Criação simultânea de todas as Regiões em que se divide o País;
c) Instituição concreta das regiões;
d) Atribuições das regiões;
e) Órgãos;
f) Finanças regionais;
g) Representação do Estado na região.
Por ato legislativo será regulamentada a aludida Lei.
Contemporaneamente à edição da Lei Quadro das Regiões Administrativas há que rever muitos dos aspetos da já mencionada Lei nº 69/VII/2010, de 16 de Agosto, conexos à regionalização administrativa.
Necessidade da revisão do estatuto constitucional do Poder Local
Tendo em conta a necessidade de maior dignificação do Poder Local e consequente afirmação, há necessidade de remodelar profundamente o Titulo VI (Do Poder Local) da Parte IV (Da organização do Poder Politico) da Constituição, em ordem a que, para além dos atuais normativos, se contemple o estatuto jurídico- constitucional de cada uma das autarquias locais: Freguesia, Município e Região Administrativa, porque as especificidades mais relevantes de cada autarquia local deve constar da Constituição.
O primeiro passo para o processo de regionalização será assim a revisão do estatuto constitucional do Poder Local.
Atribuições regionais
15. Que atribuições a conceder por lei às regiões?
Entre um sistema fortemente centralizado que atribua às regiões um papel de escassa relevância decisória e um outro totalmente descentralizado que transforme
o sistema administrativo regionalizado num sistema quase federal, deve-se optar por uma solução que, a um tempo, promova uma vincada descentralização, temperada por critérios de eficiência económica, eficácia administrativa e salvaguarda dos direitos e deveres dos cidadãos.
Às regiões administrativas podem ter, no mínimo, por atribuições a direção de serviços públicos (regionalização ou desconcentrados), participação na elaboração e execução do plano regional e tarefas de coordenação e apoio à ação dos municípios no respeito pela autonomia destes e sem limitação dos respetivos poderes.
Sendo as regiões autarquias locais, competir-lhes-á, também, nos termos gerais, administrar livremente o seu património, gerir o seu funcionalismo e as suas finanças e exercer poderes regulamentares.
Coloca-se, desde já, a questão de saber quais os poderes e serviços estaduais atualmente exercidos ou geridos pelo Governo que devam ser transferidos para as regiões.
Os sectores como a defesa nacional, a política externa, a segurança pública, a política monetária e financeira e cambial, a política nacional de transportes e comunicações e a justiça, por integrarem a administração de soberania, não devem ser, por definição, objeto de regionalização.
Mas em quase todas as áreas da administração de desenvolvimento, enquanto distinta da administração de soberania, haverá por certo atribuições e serviços a transferir para o âmbito e responsabilidade das regiões. Citem-se, por exemplo, as áreas seguintes: turismo; ordenamento e ambiente; desportos; educação (básica, secundária e superior); juventude; emprego; saúde; segurança social; agricultura; comércio; pescas; indústria; cultura; habitação e urbanismo; obras públicas; transportes.
Esta enumeração não significa, obviamente, que cada um dos sectores referidos possa ou deva ser regionalizado na totalidade ou na sua maior parte: significa, sim, que em cada um desses sectores haverá decerto algumas atribuições e alguns serviços que poderão ser regionalizados. Há enunciar que a citada Lei nº 69/VII/2010 admite no seu artigo 35º, que podem ser realizadas experiências pilotos de transferências de atribuições, por período não superior a cinco anos, o que pode ser relevante no primeiro quinquénio da criação em concreto de uma Região Administrativa.
Pode haver serviços, como os da proteção civil e outros, em que se torne necessária a cooperação da Administração Central e da Administração Regional.
Quais devam ser, em concreto, essas atribuições e esses serviços a regionalizar, é matéria que que deverá constar da Lei Quadro das Regiões Administrativas.
As regiões não têm poderes legislativos e se obrigam obviamente a cumprir e a respeitar e fazer observar as leis dimanadas da Assembleia Nacional e do Governo.
Delimitação espacial das regiões
16. A delimitação espacial das regiões pode ser um obstáculo ao processo de regionalização se não for bem estudada..
Entre nós, fala-se que cada região administrativa tem como território uma ilha, excetuando a ilha de Santiago que albergará duas regiões.
É inovadora a ideia de conferir a cada ilha, enquanto realidade natural, e como tal, uma expressão administrativa própria, vincando assim a realidade insular como expressão geo-humana muito especial na regionalização de Cabo Verde.
Dá-se assim a cada ilha uma relevância administrativa própria, criando-se nela uma Região Administrativa.
Há que repensar da coerência de a ilha de Santiago ter duas regiões, sendo de se ponderar a não inclusão da cidade da Praia na Região de Santiago que seria sedeada na Cidade de Assomada, sem prejuízo de se avançar com projeto da Área Metropolitana da Grande Praia.
Há outras teses que atribuam á região administrativa o espaço de duas ou mais ilhas próximas e com um intenso relacionamento comercial e humano.
Representação do Governo na Região
17. O Governo deve estar presente na Região através de um representante de alto nível, com poderes referidos no artigo 189º da Constituição. Tal representante deve ser, além de magistrado administrativo, órgão coordenador da administração periférica do Estado.
Finanças regionais
18. As regiões têm património e finanças próprios, cuja gestão compete aos respetivos órgãos. O regime de autonomia financeira das regiões, deve dar aos respetivos órgãos, o poder de, nomeadamente, dispor de receitas próprias, ordenar e processar as despesas e arrecadar as receitas que por lei lhes forem destinadas.
A principal fonte de receitas das regiões será, de certeza, uma participação no produto das receitas fiscais do Estado, a fixar, nos termos da lei, em função do esforço financeiro próprio da região e no respeito do princípio da solidariedade nacional.
Tal participação de que são beneficiárias as regiões diminuirá as receitas globais do Estado, bem como as despesas deste, já que cabendo ao Estado apenas a administração de soberania, as despesas estatais deverão sofrer uma diminuição drástica.
V Regionalização administrativa: instituição concreta das regiões Criação simultânea de regiões por Lei4
19. As regiões administrativas são criadas em concreto por lei da Assembleia Nacional. Convém, contudo, em termos de “jure condendo” ser consagrada a possibilidade de haver diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.
Pela mesma lei são criadas simultaneamente, o que se justifica plenamente tendo em conta que a regionalização irá implicar alterações de fundo na Assembleia Nacional, no Governo, na estrutura da Administração Pública e, eventualmente, na própria missão dos municípios.
Instituição concreta das regiões e referendo
20. A Lei atual impõe a audição obrigatória das Assembleias Municipais na criação em concreto das Regiões Administrativas a ser promovida pela Assembleia Nacional5.
Na atualidade, é aceitável, face à dimensão e graves implicações da decisão de implementar as Regiões Administrativas, submeter essa decisão, não a votação das Assembleias Municipais, mas a referendo6 a ser realizado, por sufrágio direto, sobre a regionalização, ou seja sobre a instituição concreta das regiões, conforme o mapa de regionalização de Cabo Verde previamente aprovado pela Assembleia Nacional.
Para o efeito, importa promover a possibilidade da convocação de referendo na Lei Quadro das Regiões Administrativas, dando assim oportunidade aos cabo- verdianos de livremente se pronunciarem sobre a questão de fundo, seja qual for a divisão territorial que posteriormente venha a fazer-se, não excluindo a hipótese do próprio referendo conter uma proposta de divisão territorial
4 Ver a nota de rodapé nº 1.
5 O voto da Assembleia Municipal é expresso em deliberação tomada em sua reunião pública extraordinária, convocada exclusivamente para o efeito, com a antecedência mínima de 30 dias, indicando-se na convocatória onde podem ser consultados os processos relativos à instituição da Região Administrativa (nº 6 do artigo 7º da citada Lei).
Não se obtendo as deliberações necessárias para a instituição concreta da região, a Assembleia Nacional promoverá nova consulta a todas as Assembleias Municipais decorrido um ano sobre o termo do prazo atrás referido, só podendo promover-se consultas posteriores após a realização de eleições gerais para os órgãos das autarquias locais (nº 7 do citado artigo 7º)..
6 Na altura da edição da Lei nº 69/VII/2010, o referendo não tinha sido regulamentado.
O tema da regionalização administrativa afigura-se assim inseparável da questão do referendo. A existência de um referendo exigirá uma eficaz estrutura de informação dos cidadãos, sem a qual perderá todo o seu sentido útil.
A transparência no processo de regionalização é condição essencial ao seu prosseguimento e reveste-se de vital importância no modo como os cidadãos devem ser informados e na apresentação de uma calendarização de transparência de atribuições do Estado para as regiões.
A regionalização vale o que valerem os seus proponentes e executantes, não devendo, em caso algum ser iniciado, com argumentos meramente formais e sem se informar, clara e previamente, o seu objeto.
VI Regionalização administrativa: aumento ou diminuição de despesas públicas de
funcionamento
Pressuposto de prestação de serviço de qualidade
21. A regionalização administrativa deve poder consubstanciar uma melhor prestação de serviço público, sem aumentar ou sem aumentar demasiadamente despesas públicas.
O processo de regionalização deve garantir ao cidadão contribuinte que ele se baste com uma mera transferência dos serviços já existentes no Estado para as regiões para que não se criem pólos alternativos de serviços que burocratizem e tornem ainda menos eficaz o serviço prestado ao cidadão.
Processo eleitoral adequado
Em ordem a diminuição de despesas públicas, há que instituir um processo eleitoral genuíno para os órgãos regionais. Eleger-se-á por sufrágio direto e universal a assembleia regional, no próprio dia em que se realizam as eleições municipais7. A junta regional, órgão executivo, será eleito pela assembleia regional, sendo presidente da junta o primeiro elemento da lista mais votada.
VII Regionalização administrativa: suas implicações na estrutura do Estado
7 O facto de por vezes se realizarem eleições municipais em todo o País no decurso ou a meio de uma Legislatura pode conduzir à excessiva politização da campanha e dos resultados eleitorais, roubando assim às eleições o carácter local que deveriam ter e contribuindo, em consequência, negativamente para a instabilidade politica a nível nacional. Assim pensa-se que as eleições municipais deviam realizar-se sempre na mesma data que eleições legislativas. Seria paradoxalmente a melhor forma de as despolitizar.
22. A regionalização pode ter consequências, particularmente ao nível das finanças públicas, que, no estado atual da Administração Pública, podem significar, antes de mais, agravamento de custos. Há que assegurar que, tendencialmente, o desenvolvimento do processo será acompanhado de reformas profundas ao nível da
«máquina» do Estado. Nesta expectativa reside a esperança de que a eficácia da Administração Pública originada pela regionalização compense, a prazo, os custos da regionalização que não devem e nem podem, contudo, ser muito avultados.
Com a regionalização do País, o Governo da República ficará incumbido apenas da administração de soberania, pelo que o número dos seus membros não pode ultrapassar o máximo de sete.
A Assembleia Nacional, tendo em conta as novas funções do Governo, deverá adaptar a sua orgânica e sofrer redução drástica dos seus membros, já na Legislatura de 2021/25.
As Direcções-Gerais e os institutos e empresas públicos de âmbito nacional, pelas mesmas razões, serão drasticamente reduzidos.
23. A regionalização administrativa não pode ser feita à custa do esvaziamento de funções de nível municipal, já que ela constitui um elemento de apoio e de reforço do municipalismo, devendo as duas, normalmente, realizar-se de maneira coordenada, de modo a poder cada uma reforçar os efeitos da outra.
Aceita-se, contudo, como normal, a transferência para as Regiões de alguns poderes até aí investidos nos municípios que, por razões de natureza técnica, impliquem para sua efetivação a criação de organizações intermunicipais.
De qualquer forma há que revisitar as atribuições e competências dos municípios e a composição dos seus órgãos de modo a que os municípios passem a ter como missão fundamental a prestação de serviços essenciais à comunidades, em condições de boa qualidade e a um preço aceitável.
Com as reformas aqui referidas, crê-se que não vai haver aumento (substancial) de despesas públicas com a regionalização administrativa.
VII Finalização
24. São essas as ideias que trago, com humildade, para o debate sobre a regionalização administrativa de Cabo Verde. Polémicas, talvez, e eventualmente não convincentes para alguns dos presentes! Não importa. O que importa é que se deu ao Grupo Parlamentar uma outra visão da matéria de regionalização administrativa, processo inevitável a médio ou longo prazo. As discordâncias surgidas
eventualmente permitirão, pela via do diálogo e da confrontação de ideias, chegar a soluções melhores do que aquelas de que se tinha antes.
Sendo o PAICV adepto da regionalização administrativa deve desencadear no seio dos seus militantes e amigos e da própria sociedade civil ações de valorização do regionalismo e de conscientização sobre o processo de regionalização.
Obrigado.
(Dado à estampa pelo Grupo Parlamentar do PAICV)
N.E. - A ortografia é da responsabilidade dos autores do texto.
Este texto deve ser lido com atenção e analisado. Já comecei a ler e desde logo notei algumas incoerências e imprecisões. Depois pronunciar-me-ei.
ResponderEliminarQUO VADIS REGIONALIZAÇÃO EM CABO VERDE: A DOUTRINA ACTUAL DO PAICV
ResponderEliminarRecebi este documento que encerra o pensamento do PAICv em matéria de Regionalização. Distribuí o mesmo pelos amigos e colegas regionalistas com o seguinte comentário:
Amigos
Ainda não li o conteúdo do documento do PAICV em anexo, mas dando uma vista de olhos parece-me que não há nada de novo, pelo que este partido continua com uma visão conservadora da problemática, insistindo no conceito da Região Administrativa, já defendido pela liderança de JMN e que segundo eles é o que a Constituição permite. A liderança de Janira não mudou uma vírgula nesta postura como atesta este documento. Não é bom sinal pois o MPD defende mais ou menos o mesmo princípio, mascarado com outra linguagem, tentando fazer crer o contrário, uma tentativa de aparentar distanciar-se deste partido ( antes das eleições legislativas).
A Regionalização Administrativa não é nada, ou melhor, seria uma mão cheia de nada, um perfeito exemplo da Montanha que Pariu um Rato. Consistiria na nomeação de Governadores 'Paus Mandados' uma experiência que já foi tentada precisamente em S. Vicente nos anos 90 pelo MPD e que fracassou, pelas razões que já apontamos.
De resto desde a tomada de posse do Ulisses (que acumula a pasta da REGIONALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO entre outras) e do novo governo, não se sabe mais nada sobre este dossier : ESTÁ NO SEGREDO DOS DEUSES.
Recorde-se que foi prometido o início da implementação desta reforma até o fim do ano de 2016, sendo a ilha de S. Vicente a cobaia e o palco. Agora parece que tudo foi adiado, falando-se agora de discussão em Parlamento de uma proposta de projecto para 2017. Espero que não seja um adiamento para as calendas gregas e a morte anunciada do Projecto.
Por outro lado não sei em que ponto é que está a proposta de Estatuto Especial para a Praia, que deveria já ter sido submetida ao Parlamento como anunciaram em Junho. Parece-me que é a prioridade das prioridades!!!
Amigos, voltemos ao conteúdo do texto. Pararece-me que a palavra Regionalização continua a ser um espantalho para o PAICV, pelo que tem que ser anexado o adjectivo Administrativo, para dourar a pilula, como se diz em francês , quando o termo Regionalização só por si bastava, pois define tudo, como tem insistido Adriano Miranda Lima. No fundo há aqui um medo da regionalização pôr em causa a base ideológica actual de CV
No fundo os dois partidos, MPD e PAICV, estão para a Regionalização como a Rússia de Gorbatchev ou a China de Deng Xiao Ping para as reformas do comunismo (de resto o MPD e o PAICV têm uma matriz marxistas-leninistas), afrouxar, mas não tanto para que o sistema e o poder concentrado não possam ser postos em causa, o que era precisamente o medo de Gorbatchev: que a URSS ruísse. Assim na prática, só a Regionalização Administrativa conserva os interesses do Centralismo (logo da elite e do complexo político económico do centro) construído em 40 anos, este autêntico presente envenenado na base da ideologia marxista-leninista (Centralismo Político e Planificação da Economia, gerida a partir do Centro) que o PAIGC importou para CV e que agora dá muito jeito a 'todos' l
O Sistema actual sabe fazer revisões constitucionais para criar estatutos especiais (para deputados, para a Praia etc ) mas relativamente ao essencial, àquilo que possa melhorara a vida das pessoas e a qualidade do país, aí as coisas dão o nó. (continua)
(Continuação)
ResponderEliminarÉ precisamente este sistema montado que produz poderes locais de má qualidade e lideranças locais péssimas e fracas, de que toda a gente se queixa, mas que no fundo interessa os poderes centrais. Daí que quando confrontado, é o próprio Sistema que 'dá pa dod', queixando, atirando as culpas para o ar : as câmaras, os seus, os presidentes, as vereações, os governos, os partidos etc.
Se o dossier Regionalização for mal conduzido, ficar fechado no segredo dos deuses, será um nado-morto. E teme-se que este será o caso, pois de nada serve, introduzir uma reforma desta natureza e magnitude se todo o resto permanece inalterado: se ninguém se lembra que é necessário ajustar na constituição ao novo Poder Regional.
De resto, uma pergunta que temos colocado recorrentemente: como vai o Poder Regional e o Poder Municipal encaixarem-se. Como vão-se articular os dois poderes etc. Esta questão vai-se colocar de maneira premente numa ilha como S. Vicente? Ninguém fala disso!!! Obviamente que o tratamento sério e honesto desta problemática obriga mexidas na Constituição Centralista, a autêntica Tábua de Moisés do MPD e PAICV. Isto tudo obrigaria a estudar, a pensar, a dialogar etc, coisas que aparentemente não se praticam em Cabo Verde. Para além disso dá muito trabalho fazer as coisas bem feitas.
Tudo isto é mau sinal!!!
José