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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

[9758] - AS ELEIÇÕES (TRISTEMENTE) "HISTÓRICAS"...

Na minha opinião, a personalidade destas eleições tem um nome: Albertino Emanuel Lopes da Graça! Explico-me: um candidato com notoriedade nacional “apenas” como Reitor de uma Universidade Privada e praticamente desconhecido como político, consegue conquistar cerca de 23% dos votos em menos de dois meses de campanha!


As eleições presidenciais são um fecundo objecto de estudo para sociólogos, cientistas políticos e politólogos, enfim, para os investigadores das Ciências Políticas e Ciências Sociais em geral.

Há que distinguir entre a retórica, esperada, do reeleito Presidente, procurando impor rapidamente o sentido de uma “vitória histórica” e uma análise política do processo e dos resultados.

Temos factos que são susceptíveis de serem interpretados na óptica da di-visão do(s) fenómeno(s), segundo o estruturalismo genético de P. Bourdieu. Na minha opinião, a personalidade destas eleições tem um nome: Albertino Emanuel Lopes da Graça!

Explico-me: um candidato tido como conhecido "apenas” como Reitor de uma Universidade Privada e praticamente desconhecido como político, consegue conquistar cerca de 23% dos votos em menos de dois meses de campanha!

Anunciou a sua vontade e motivação três meses antes do dia das eleições e só iniciou a campanha propriamente dita a menos de dois meses das eleições! Não teve apoios partidários. O PAICV veio dar liberdade de votos num momento em que já era ineficaz; o desorientamento dos militantes e amigos já estava instalado e era praticamente impossível organizar o que quer que fosse nesses escassos dias.

Não confundamos como apoio do PAICV o engajamento pessoal de vários dirigentes e ex-dirigentes do PAICV, de militantes e amigos do PAICV, na campanha de Albertino Graça, por decisão pessoal com base na sua consciência cidadã e liberdade de escolha.

Fui o primeiro. Trabalhei e apoiei a candidatura nos bastidores, deixando o anúncio público para o momento que considerei oportuno. Se tivesse caído na tentação de escrever artigos de opinião durante a campanha viria automaticamente a verrina: “esse está ressabiado por não ter sido nomeado embaixador e está a vingar-se”. Prejudicaria a candidatura de Albertino Graça e revelaria uma baixa inteligência emocional.

É justo especular o seguinte: qual teria sido o resultado se Albertino Graça tivesse entrado na peleja eleitoral há dois ou mesmo um ano e com o apoio expresso do PAICV? Deixo ao leitor tirar as conclusões dessa especulação. Não irei cair nesse debate recorrente sobre altíssima taxa de abstenção versus legitimidade do eleito. Muitas vezes quem assim tem posicionado tem levado alguns actores políticos a agirem com base em posições assumidas em circunstâncias diferentes, logo contradizem-se em função dos interesses de ocasião.

Para mim, no estado da arte da Política no país, basta-me saber que a Constituição da República e demais leis em razão da matéria, sufragam essa legitimidade.

Pode parecer um raciocínio tautológico, mas é o que nos permite passar de imediato a outras análises ou melhor outras perspectivas dos factos. O Presidente eleito com um score baixíssimo do total do universo dos eleitores, explica a escandalosa taxa de abstenção do seguinte modo: os eleitores que faltaram à chamada das urnas, é porque, com o elevado desempenho dele no primeiro mandato, tinham a certeza que ele ganharia e, por isso, não valeria a pena ir votar.

Nessa sua função de oráculo, com essa candidez invejável, o senhor Presidente não entrou em linha de conta com:

i) Os eleitores que o trataram de forma crítica e dura no FB e que certamente são uma amostra de um grupo muito maior. Alguns, disseram claramente que não iriam votar e outros que iriam votar branco. Estes, a partir do momento em que houve a deliberação do TC sobre os votos em branco, converteram a sua posição para abstenção.

ii) Não considerou os milhares de militantes e amigos do PAICV que não foram votar por falta de candidato;

iii) Outras variáveis explicativas da mais elevada taxa de abstenção ocorrida em Democracia entre nós, só discerníveis com estudos qualitativos que até hoje não foram feitos. Ouvimos, no rescaldo das eleições, as pias declarações de uns e outros sobre o “preocupante fenómeno da abstenção e da necessidade do mesmo ser estudado a fundo. Uma vez definidos os ganhadores e os perdedores as “preocupações” e as “vontades de estudar o fenómeno” desvanecem-se no ar…

Outro facto que tem sido escamoteado: o mau desempenho do MpD. O Movimento ganha com uma maioria folgada em todos os círculos eleitorais a 20 de Março; ganha de forma arrasadora as autárquicas de 4 de Setembro; tal como nas autárquicas, Ulisses Correia e Silva investiu a fundo como apoio nas presidenciais, então, pergunta-se: onde está o “efeito UCS/MpD” ? Porque é que a fórmula, tão eficaz anteriormente, não funcionou (uma evidência) como nas autárquicas tão perto?

Será que as desilusões campeiam em relação às promessas das legislativas e reafirmadas nas autárquicas?

A campanha das legislativas foi baseada i) na promessa-certeza de um crescimento de 7%, afirmada e reconfirmada com a convicção de actores a criar uma persona; ii) a promessa de emprego, sobretudo para os jovens, com base nessa previsão de 7% de crescimento económico; os jovens foram convencidos que o único culpado da elevada taxa de desemprego jovem era o governo de JMN; iii) a insegurança, cuja responsabilidade para o seu crescimento foi atribuído ao governo PAICV, por inteiro, uma linguagem perigosa cujos resultados se reflectem no agravamento do fenómeno. A criminalidade tem-se agravado a olhos vistos e já é objecto de outra justificação que não aquela repetidas vezes afirmadas no Parlamento; o Ministro das Finanças e o FMI já vieram dizer que é impossível a economia crescer a 7%, que o máximo a que pode chegar é 4%; do crescimento do emprego, nada à vista, só se considerarmos o movimento de “decapitação” seguido da “colonização” das estruturas e chefias pela onda verde… Certamente que há desgaste com esse quadro de falta de palavra e manipulações ao mais alto nível, sobre o qual o Presidente reeleito, compreensivelmente se omite, embora seja difícil acreditar que ele, no seu íntimo não tenha o global picture.

Estarei de acordo com o Dr. Jorge Carlos Fonseca em como essas são “eleições históricas”. Mas, divergimos em absoluto nas razões dessa classificação: são “tristemente históricas”, para mim e para muitos, pelas mais elevadas taxas de abstenção até agora havidas em eleições em Democracia.

Por outro lado, lamento que o Presidente reeleito, no afã de impor sentido da sua vitória, tenha privilegiado a desvalorização da abstenção, sem mostrar preocupação ainda que fosse a encenação habitual de fazer a enésima declaração de apoiar com a sua magistratura de influência a promoção de estudos para explicação e compreensão do fenómeno. Afinal, o PR não se cansa de falar da “cultura da Constituição”, da defesa da Constituição, que não há Estado de Direito fora da Constituição, o que é uma evidência mas, em surgindo uma oportunidade para praticar tudo isso, a preocupação é apoucar a gritante abstenção. - in A Semana - 06.10.2016

Esperemos por mais declarações e pela “apoteose da posse”…

Mário Matos marzim54@gmail.com

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