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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

(6550) - RESPONDENDO À RESPOSTA...


Com a devida vénia, como entendi “O olhar – regionalismo, regionalização e tatismos políticos”-, do Dr. José Vieira Neves, Primeiro-Ministro, no Facebook...

A resposta do Primeiro-Ministro às perguntas e objecções feitas ao seu olhar acima referido não me convenceu. Pareceu-me um olhar enviesado, porque, para já, ninguém contestou o esforço quase ciclópico feito por todos, mormente o povo, e os investimentos em infraestruturas e qualificação humana em várias ilhas, mas tão simplesmente a sua distribuição desmedidamente acentuada em Santiago. As outras ilhas, mormente de Barlavento, têm-se amanhado com as sobras, as migalhas, e muito mais promessas do que obras. Com a descentralização dos poderes e a regionalização, a distribuição far-se-ia em função das necessidades das ilhas e não do capricho dos detentores do poder central

Interroga-se, duvidosamente, o Primeiro-Ministro, se a regionalização nos traria mais recursos. Claro que sim, porque as populações passariam a ter voz activa na condução da Res Pública (na gestão da coisa pública), participariam com mais gosto, orgulho e empenho, passariam a investir em pequenas e médias empresas, substituindo o Estado, e os elementos da diáspora com disponibilidades financeiras - que sempre quiseram investir no país -, fá-lo-iam, por constatarem o desaparecimento das inúmeras peias burocráticas, das prepotências e preferências políticas, sabendo que investem no seu torrão natal e naquilo que lhe interessa dentro do programa de desenvolvimento da sua ilha. Sem a sua diáspora, a nação cabo-verdiana fica mutilada, e a sua língua, o crioulo, reduzida a um alfabeto, como costuma dizer o amigo moçambicano José Mucangana, cujas pesquisas falaremos noutra ocasião.

Outra interrogação do Primeiro-Ministro é se temos recursos para tantas regiões, governos regionais, assembleias regionais, câmaras municipais, suas assembleias e serviços, etc. A resposta é outra pergunta: como é que o Governo tem conseguido gerir as finanças com a pesada máquina burocrática criada, com excessos de ministérios e secretarias de Estado, o avassalador número de deputados, de câmaras municipais com o seu staff, de vilas viradas cidades do dia para noite, de agências de regulação que não regulam coisíssima nenhuma ou muito pouca coisa, escritórios privados de advogados que fazem o trabalho da Assembleia Nacional quando esse trabalho deveria ser feito pelos deputados e funcionários qualificados do ministério da justiça e de outros ministérios, e j´en passe, sem falar na lentidão da justiça que afugenta os investidores estrangeiros? A descentralização/regionalização iria eliminar muita duplicação de cargos e funções, desempregar os boys parasitários, diminuir o número de deputados, de ministérios e secretarias de Estado, de câmaras municipais, algumas transformadas em governos regionais, revogar leis que nunca se aplicaram ou nunca foram regulamentadas que atrapalham cidadãos e juristas, substituição da partidocracia e nepotismo por meritocracia e competência profissional nas escolhas dos representantes das comunidades e nomeações para cargos públicos, além de outras simplificações.

Outrossim, a descentralização/regionalização seria realizada progressivamente, levaria tempo e começaria por uma região piloto e não em bloco. Algo intrigante é a condenação da regionalização sem a estudarmos, quando, o que o Movimento a que dei o meu acordo propôs, foi o estudo da regionalização, não a sua aplicação imediata. Inclusive, se a comissão, ou seminário, que irá estudar a pertinência da regionalização de Cabo Verde, chegar à conclusão de que não se aplica, ou a ocasião não é a mais propícia para a sua aplicação, arrumámo-la numa gaveta até nova oportunidade. Condená-la sem a conhecer é que não se entende.

O centralismo democrático, nunca foi democrático; é herança do Leninismo. Teoricamente até pode ser atraente, mas, na prática, sempre foi ruim por condenar outras abordagens fora do partido e pensamento únicos. Por mais iluminado que seja um líder de partido único, ou governante, com o tempo e a usura do poder, ele tornar-se-á prepotente, vocacionado a ditador. Nós, cabo-verdianos, suportámos, com portugueses de gema, quase durante quarenta anos, a ditadura Salazarista, e, sozinhos, durante quinze anos, a democracia dita participativa de partido único e pensamento único esquerdista, em que o Estado obedecia ao Partido; tão democrática que, à primeira lufada de ar fresco – eleições livres e transparentes - constipou-se o regime e o Partido, e este teve de passar dez anos na travessia do deserto para se curar, o que aconteceu, tendo regressado à ribalta política com novas caras e propósitos actualizados, embora alguns velhos barões do Partido tenham ficado gatchod à espreita de novas oportunidades, que alguns alcançaram.

O regime actual poderá ter vida longa se não persistir no centralismo nem nas suas variantes travestidas em desconcentração e governadores civis, que já foram experimentadas e nada deram. Há que pegar o touro pelos cornos. A coragem política é indispensável para não contornar viciosamente os problemas, mas enfrentá-los, com a ajuda daqueles que querem cooperar. É preciso olhar tudo a partir da periferia. É preciso andar na periferia para conhecer de verdade como vivem as pessoas. Caso contrário, corre-se o risco de um fundamentalismo de posições rígidas com base numa visão e tradição centralizadas, o que não é saudável e vem prejudicando o país.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2014                                                  Arsénio Fermino de Pina.

          

 

2 comentários:

  1. Esta resposta do Arsénio enche as medidas dos que vêm defendendo a regionalização como o modelo mais apropriado para Cabo Verde sair da tenaz que o faz parar no tempo, impedindo um desenvolvimento igualitário em todas as ilhas.

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  2. Oxalá que se venha a comprovar profética, esta rfesposta do Arsénio...

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