Com a devida vénia, como
entendi “O olhar – regionalismo, regionalização e tatismos políticos”-, do Dr.
José Vieira Neves, Primeiro-Ministro, no Facebook...
A resposta do
Primeiro-Ministro às perguntas e objecções feitas ao seu olhar acima referido
não me convenceu. Pareceu-me um olhar enviesado, porque, para já, ninguém
contestou o esforço quase ciclópico feito por todos, mormente o povo, e os
investimentos em infraestruturas e qualificação humana em várias ilhas, mas tão
simplesmente a sua distribuição desmedidamente acentuada em Santiago. As outras
ilhas, mormente de Barlavento, têm-se amanhado com as sobras, as migalhas, e muito
mais promessas do que obras. Com a descentralização dos poderes e a
regionalização, a distribuição far-se-ia em função das necessidades das ilhas e
não do capricho dos detentores do poder central
Interroga-se,
duvidosamente, o Primeiro-Ministro, se a regionalização nos traria mais
recursos. Claro que sim, porque as populações passariam a ter voz activa na
condução da Res Pública (na gestão da coisa pública), participariam com mais
gosto, orgulho e empenho, passariam a investir em pequenas e médias empresas,
substituindo o Estado, e os elementos da diáspora com disponibilidades
financeiras - que sempre quiseram investir no país -, fá-lo-iam, por
constatarem o desaparecimento das inúmeras peias burocráticas, das prepotências
e preferências políticas, sabendo que investem no seu torrão natal e naquilo
que lhe interessa dentro do programa de desenvolvimento da sua ilha. Sem a sua
diáspora, a nação cabo-verdiana fica mutilada, e a sua língua, o crioulo,
reduzida a um alfabeto, como costuma dizer o amigo moçambicano José Mucangana,
cujas pesquisas falaremos noutra ocasião.
Outra
interrogação do Primeiro-Ministro é se temos recursos para tantas regiões,
governos regionais, assembleias regionais, câmaras municipais, suas assembleias
e serviços, etc. A resposta é outra pergunta: como é que o Governo tem
conseguido gerir as finanças com a pesada máquina burocrática criada, com
excessos de ministérios e secretarias de Estado, o avassalador número de
deputados, de câmaras municipais com o seu staff,
de vilas viradas cidades do dia para noite, de agências de regulação que não
regulam coisíssima nenhuma ou muito pouca coisa, escritórios privados de
advogados que fazem o trabalho da Assembleia Nacional quando esse trabalho
deveria ser feito pelos deputados e funcionários qualificados do ministério da
justiça e de outros ministérios, e j´en
passe, sem falar na lentidão da justiça que afugenta os investidores
estrangeiros? A descentralização/regionalização iria eliminar muita duplicação
de cargos e funções, desempregar os boys parasitários,
diminuir o número de deputados, de ministérios e secretarias de Estado, de
câmaras municipais, algumas transformadas em governos regionais, revogar leis
que nunca se aplicaram ou nunca foram regulamentadas que atrapalham cidadãos e
juristas, substituição da partidocracia e nepotismo por meritocracia e
competência profissional nas escolhas dos representantes das comunidades e
nomeações para cargos públicos, além de outras simplificações.
Outrossim, a
descentralização/regionalização seria realizada progressivamente, levaria tempo
e começaria por uma região piloto e não em bloco. Algo intrigante é a
condenação da regionalização sem a estudarmos, quando, o que o Movimento a que
dei o meu acordo propôs, foi o estudo da regionalização, não a sua aplicação
imediata. Inclusive, se a comissão, ou seminário, que irá estudar a pertinência
da regionalização de Cabo Verde, chegar à conclusão de que não se aplica, ou a
ocasião não é a mais propícia para a sua aplicação, arrumámo-la numa gaveta até
nova oportunidade. Condená-la sem a conhecer é que não se entende.
O centralismo
democrático, nunca foi democrático; é herança do Leninismo. Teoricamente até
pode ser atraente, mas, na prática, sempre foi ruim por condenar outras
abordagens fora do partido e pensamento únicos. Por mais iluminado que seja um
líder de partido único, ou governante, com o tempo e a usura do poder, ele
tornar-se-á prepotente, vocacionado a ditador. Nós, cabo-verdianos, suportámos,
com portugueses de gema, quase durante quarenta anos, a ditadura Salazarista,
e, sozinhos, durante quinze anos, a democracia dita participativa de partido
único e pensamento único esquerdista, em que o Estado obedecia ao Partido; tão
democrática que, à primeira lufada de ar fresco – eleições livres e
transparentes - constipou-se o regime e o Partido, e este teve de passar dez
anos na travessia do deserto para se curar, o que aconteceu, tendo regressado à
ribalta política com novas caras e propósitos actualizados, embora alguns
velhos barões do Partido tenham ficado gatchod
à espreita de novas oportunidades, que alguns alcançaram.
O regime
actual poderá ter vida longa se não persistir no centralismo nem nas suas
variantes travestidas em desconcentração e governadores civis, que já foram
experimentadas e nada deram. Há que pegar o touro pelos cornos. A coragem
política é indispensável para não contornar viciosamente os problemas, mas
enfrentá-los, com a ajuda daqueles que querem cooperar. É preciso olhar tudo a
partir da periferia. É preciso andar na periferia para conhecer de verdade como
vivem as pessoas. Caso contrário, corre-se o risco de um fundamentalismo de
posições rígidas com base numa visão e tradição centralizadas, o que não é
saudável e vem prejudicando o país.
Lisboa, 20 de Fevereiro de
2014
Arsénio Fermino de Pina.
Esta resposta do Arsénio enche as medidas dos que vêm defendendo a regionalização como o modelo mais apropriado para Cabo Verde sair da tenaz que o faz parar no tempo, impedindo um desenvolvimento igualitário em todas as ilhas.
ResponderEliminarOxalá que se venha a comprovar profética, esta rfesposta do Arsénio...
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