À discussão sobre a regionalização junta-se agora o tema da criação de autarquias inframunicipais. As razões para o debate sobre a regionalização são múltiplas mas basicamente provêm da percepção de que algumas ilhas estarão a ficar para trás. São Vicente com o seu nível de desemprego dos mais altos do país é apontado como o caso paradigmático. Já para justificar as autarquias inframunicipais, a questão da falta de autoridade parece a razão principal. Numa intervenção recente o Primeiro-ministro José Maria Neves aventou a hipótese da criação de freguesias e de julgados da paz com vista a “resolver o vazio que há em várias regiões mais remotas do país em relação à presença e/ou intervenção dos poderes e autoridades locais”.
A Constituição cabo-verdiana estabelece que as autarquias locais são os municípios, podendo a lei criar autarquias supramunicipais e inframunicipais. A Constituição não diz em que condições essas novas entidades podem ser criadas mas afirma que são autarquias, ou seja, pessoas colectivas de base territorial com poderes administrativos e órgãos representativos. Aparentemente fora de questão fica a possibilidade de, no âmbito da descentralização do país, se criar regiões políticas.
O problema é que muito do que tem motivado a sociedade a discutir a regionalização tem a ver com a possibilidade de localmente nas ilhas se ter poderes que não são propriamente das autarquias, mas que eventualmente podem ser de regiões políticas autónomas como a Madeira e os Açores. O mesmo parece acontecer com os argumentos para se avançar com as freguesias. A falta de autoridade nas localidades mais remotas particularmente em matéria de conflitos e ordem pública só é, de facto, resolvida pela intervenção do Poder Central que tem competências exclusivas em matéria de organização dos órgãos de segurança. Os julgados de paz a que o PM se referiu são realmente tribunais e a relação com quaisquer autarquias só pode ser de parceria no processo da sua instalação. Não se confundem, como alguns pretendem sugerir, com os tribunais de zona dos tempos do partido único que conjuntamente com as milícias populares eram órgãos partidários que integravam o aparato repressivo do regime.
Os equívocos nestas matérias alimentam-se da inquietação crescente da sociedade cabo-verdiana quanto ao futuro próximo. O país cresce a um passo anémico, a pesada dívida pública diminui a capacidade de intervenção do Estado e não é visível que se tenha melhorado a capacidade de o país em atrair investimento externo e em produzir bem e serviços para exportação. Com o sufoco do sector privado nacional sente-se ainda mais os efeitos do centralismo do Estado. A reacção geral tem sido de pressionar no sentido de descentralizar para melhor redistribuir os recursos por todas as ilhas. Indo por essa via, nada, porém, está garantido. Ninguém sabe se os recursos adicionais que virão com as novas autarquias serão suficientes para diminuir as assimetrias existentes. Uma outra incógnita é se os novos poderes, quando localmente exercidos, mudarão suficientemente o ambiente de negócios para que a região seja mais dinâmica na atracção de investimentos.
Outros países fizeram diferente. Confrontados com baixas taxas de crescimento e elevada taxa de desemprego, reagiram de outra forma. Uns, como as Maurícias, a China e os chamados Tigres da Ásia criaram zonas económicas especiais com facilidades nos domínios fiscais, laborais e de acesso a factores como energia e água. Resolveram o problema do desemprego, cresceram a taxas elevadas, aumentaram as exportações e criaram uma base industrial e de serviços. Outros, como as Seychelles, adoptaram uma atitude positiva em relação ao turismo, desenvolveram uma cultura de serviço e esforçaram-se por tornar a estrutura produtiva nacional cada vez mais inclusiva de todos os cidadãos nacionais e sintonizada com as necessidades de uma expansão induzida pela procura externa.
Não se deixaram cair na tentação de ver a dinâmica da economia como resultado fundamentalmente de um esforço de cima para baixo, do Estado para os cidadãos. Perceberam que há limites no que o Estado pode propiciar. Se o sector privado não arrancar, se não houver aumento de produtividade e se o país não ganhar competitividade externa inevitavelmente virão tempos de crescimento baixo e desemprego alto e persistente. A simples relocalização dos meios escassos do Estado, sem que se mude a eficiência e eficácia da administração, sem que se reorientem as políticas de incentivo à iniciativa privada e sem que se fomente uma nova atitude que valorize o conhecimento, reconheça o mérito, e premeia a criatividade e gosto pelo risco, não trará mudanças significativas.
Entidades descentralizadas tanto a nível supramunicipal como a nível inframunicipal são importantes, mas não podem ser vistas como panaceias para os problemas complexos que se põem ao país e às populações em todos os pontos do território nacional em relação às suas pretensões justas de ter uma vida melhor. Sob pena de se vir a assistir ao crescimento da frustração e a sinais cada vez mais inquietantes de ressentimento e mesmo raiva com todas as consequências que se pode adivinhar, é fundamental que se consiga o engajamento do todo nacional num caminho que a ser seguido se poderá vislumbrar um futuro justo e próspero para todos.
in Expresso das Ilhas - Editorial
Colab. José F. Lopes
O que não deixa de causar estranheza é o Primeiro-Ministro vir agora pôr a tónica nas estruturas inframunicipais, quando o que está neste momento centrado na agenda nacional é precisamente o contrário, ou seja, a criação de estruturas supramunicipais.
ResponderEliminarPor outro lado, o que ele preconiza como de positivo naquelas infra-estruturas está perfeitamente ultrapassado pela dinâmica social. Isso é coisa de tempos recuados, em que a mobilidade social era escassa, os meios de comunicação limitados ou inexistentes e a mentalidade das populações mais permeável à influência de uma figura local prestigiada. Portanto, não faz sentido essa ideia, que parece mais um expediente dilatório ou uma manobra de diversão para iludir a discussão séria da questão da regionalização.
É evidente que a simples existência formal de regiões não vai alterar o panorama das nossas ilhas. Subscrevo tudo o que este Editorial aponta como necessário para que o processo da regionalização tenha o sucesso com que sonhamos. Mais, entendo que é preciso agitar as mentalidades, renová-las, fazer com que o cidadão sacuda o marasmo em que vive e participe na vida colectiva, tirando partido, ao fim e ao cabo, das vantagens que decorrem da maior proximidade do decisor político. Só um novo tipo de engajamento social fará com que a regionalização não se torne uma oportunidade perdida. Aliás, seria dramático que as populações não agarrassem e montassem o cavalo dessa oportunidade. Dramático porque, esgotadas inutilmente todas as potencialidades que a democracia põe a mercê do cidadão, depois só restará o vazio e nele tudo pode caber, como é fácil de calcular.
Portanto, o meu apelo é que os meus conterrâneos façam a sua própria história e não esperem que a sorte lhes caia do céu, porque o céu só existe nas histórias da carochinha.
Exacto, Adriano...Creio que até já passou a hora de as pessoas entenderem que "manhã Deus tâ dá" pertence ao passado e que é mais do que hora de os cidadãos da "morabeza" usarem a cabeça em vez de continuarem à espera que os outros pensem por eles...Os resultados (maus...) falam por si!
ResponderEliminar