Prof. Hemrique "Djick" Oliveira |
O professor Henrique "Djick" Oliveira concedeu ao Expresso das Ilhas uma extensa entrevista, conduzida por António Monteiro, na qual o eclético mestre avança considerações que rotulamos de muito interessantes e sobre as quais interessaria argumentar.
É natural que haja mais matéria a destacar da panóplia de assuntos que a entrevista aborda e a que, evidentemente, daremos a nossa atenção em devido tempo, se for caso disso.
Entretanto, passemos em revista estas três perguntas e as expressivas respostas do Professor...
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O ensino bilingue poderá ajudar a suprir o problema da competência linguística?
O ensino bilingue resulta de uma realidade cabo-verdiana. Há quem afirme que Cabo Verde é um país bilingue. Bilingue sou eu que falo bem o português e tenho o domínio completo do crioulo. O homem do povo não é bilingue: o crioulo é que é a sua língua. Grande parte dos professores não se comportam como bilingues. Fora das aulas expressam-se integralmente em crioulo. A minha posição perante esta questão é a seguinte: o crioulo não é uma língua que esteja em perigo. Está a seguir o seu percurso histórico e o futuro dirá se teremos uma unificação de todas variantes do crioulo ou não. Agora, como país pequeno, subdesenvolvido e que luta pela sua sobrevivência no concerto das nações, quanto mais línguas estrangeiras dominarmos, melhor para nós. Em primeiro lugar precisamos da língua portuguesa que também é nossa, porque ela não é apenas propriedade dos portugueses. A língua portuguesa em Cabo Verde é também propriedade dos cabo-verdianos. Infelizmente não está sendo assumida como língua nacional. Mas também precisamos do inglês, do francês e também precisaremos brevemente do chinês. Portanto, para um pequeno país como Cabo Verde, que se não quiser desaparecer no contexto de uma assimilação generalizada, quanto mais línguas os seus habitantes falarem, é melhor para a sua existência e para o seu desenvolvimento. Portanto, deve-se acabar com o suposto conflito entre o português e o crioulo. A língua portuguesa tem o seu espaço e o crioulo tem o seu espaço, Por isso devemos pôr as duas línguas em diálogo. Agora, como o cabo-verdiano tem hoje um fraco desempenho na língua portuguesa, então ele começa a lançar um olhar negativo sobre essa língua, atribuindo-lhe problemas de que a língua portuguesa não tem responsabilidade nenhuma. É um nacionalismo barato e ultrapassado esse apego à língua crioula como se a língua portuguesa perigasse a nossa língua materna. O crioulo está robusto e não corre perigo nenhum. Corre perigo é a língua portuguesa. Das antigas colónias portuguesas Cabo Verde é o país que pior desempenho tem em se exprimir correctamente em língua portuguesa.
Das suas reflexões que conhecimento ganhou da natureza humana?
A primeira questão que se levante é se existe realmente uma natureza humana. Quando falo da natureza humana utilizo este conceito no sentido comum, porque, em última análise, cada homem é responsável pela construção da sua natureza, aquilo que ele é. Ou seja, o ser humano nasce como um ser em projecto que se vai realizando ao longo da sua existência. Quem deve orientar a realização desse projecto é a própria pessoa, o autor de si mesmo. Se ele não pega na sua própria pessoa para se construir como um projecto em desenvolvimento no tempo ele vai viver ao sabor das circunstâncias, daquilo que os outros, a sociedade, os grupos, as motivações e os interesses podem fazer dele. Então ele pode perder-se. Pode viver a vida e chegar ao fim da vida sem saber concretamente o que ele é, o que ele foi, o que ele fez de si mesmo. Eu como não quero que isso me aconteça, então prefiro orientar o projecto de mim mesmo, construindo-me como uma espécie de obra de arte – um escultor de si próprio. A natureza humana é aquilo que você constrói de si mesmo. Aqueles que têm possibilidade de fazer essa construção. A maior parte não tem essa possibilidade.
E como filósofo como vê o cabo-verdiano enquanto entidade social?
A nossa sociedade desenvolveu-se e mudou de rumo. O cabo-verdiano perdeu grandes valores, como a solidariedade social, a autêntica amizade, o respeito à mulher, o gosto pela cultura como um elemento que enobrece o espírito e projecta a pessoa. O cabo-verdiano abandonou esses valores e entregou-se aos prazeres da riqueza, do vinho, da dança e do sexo. Há uma inversão total dos valores tradicionais. Por isso é que eu digo que o cabo-verdiano que eu sou já pertence a um museu. A actual geração tem outra perspetiva da vida, outra filosofia da vida, outras ambições, essencialmente ligadas às experiências lúdicas da existência, aos prazeres da vida… Isto é um mau caminho, porque somos um país de jovens – 70 por cento da população de Cabo Verde tem uma média de 18 anos. Portanto, tem que haver uma política voltada para a juventude para que a nação seja um projecto histórico em construção. O que eu vejo é o exercício do poder nos vários domínios, mais para criar condições de vida em benefício próprio e de mais alguns. Isso dá mau resultado porque sempre fomos um país de inclusão social e agora somos um país de antagonismo social. Felizmente que esse antagonismo é ainda incipiente, mas pode-se aprofundar e tornar as coisas piores.
Gostei de ler a entrevista. O professor põe o dedo numa ferida (a actual realidade cabo-verdiana) que alguns preferem ignorar, talvez pensando que a cura virá naturalmente e com o tempo. Eu sou dos que não se iludem. A ferida vai agravar-se e pode ocasionar gangrena e morte. Os sinais são claros e ignorá-los só pode partir de gente irresponsável ou que acredita em milagres. Mas mesmo o acreditar em milagres não dispensa uma atitude de humildade e a observância de princípios de vida.
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