O momento político, para os lados tambarina, está marcado pelo dissenso interno, pelas acusações mútuas inflamadas e pela luta de tendências. Duplamente derrotado nas legislativas e autárquicas, o PAICV vive, provavelmente, o pior período da sua vida. Talvez, até, pior do que aquando do fim (sem glória e rendido) do “regime de partido único” (um neologismo politicamente correto para amaciar a terrível palavra ditadura).
No horizonte da luta interna perfilam-se os “novos turcos” de Janira Hopffer Almada (uma leva de rapaziada que se fez na vida à sombra do Partido/Estado); os “históricos”, alinhados, sob a batuta de Júlio Correia, mas capitaneados, na sombra, pelo dinossauro Felisberto Vieira; e, por último, os “nevistas”, isto é, José Maria Neves e alguns fiéis instrumentais.
Da luta entre estas tendências resultará o partido para o futuro, para fazer a aquela que se julga ser uma longa travessia do deserto a que os caboverdianos votaram o PAICV, castigando-o pelos anos de governação de José Maria Neves, particularmente os últimos cinco.
Estranhamente, após duas derrotas eleitorais seguidas, o PAICV tem apenas como alternativa à líder perdedora ranço velho e mais do mesmo, porque em quinze anos de poder a liderança de José Maria Neves secou tudo à volta, não preparou o partido para a inevitabilidade de uma derrota eleitoral, nem formou uma nova geração preparada e experimentada para segurar a bandeira do partido em momentos mais difíceis.
Esta circunstância faz-nos perceber que, ao contrário do que não raras vezes foi referido na imprensa por comentadores, o “nevismo” não corporiza qualquer ordem de valores, não tem sedimentação ideológica precisa, é apenas uma coisa difusa entre a verborreia supostamente “marxista”, o “cabralismo” de circunstância e um discurso alegadamente “nacionalista” que, não raras vezes se confunde com algum chauvinismo “pan-africanista”. Isto é, sem base ideológica clara, pegando em alguns jargões de “esquerda” e nas “inovações” mais caseiras que José Maria Neves trouxe para o debate político, o “nevismo” não tem base ideológica clara e, mais que isso, transformou um partido com matriz ideológica e uma linha política (goste-se ou não) em uma espécie de quadrilha de assaltantes que sequestrou o Estado e que, por isso, se desmoronou ao primeiro grande sobressalto.
Neste cenário, ditaria o bom senso que José Maria Neves se autoexilasse no silêncio, fizesse a sua própria travessia do deserto e deixasse o partido lamber as feridas da derrota. Mas a coisa está-lhe nos genes: movido pelo egocentrismo, a cobiça e uma vaidade incontrolável, o anterior primeiro-ministro (o principal derrotado das eleições de 20 de março e de 4 de setembro) não consegue estar calado, continua a manobrar na sombra e não pretende (ao contrário do que reiteradamente havia afirmado) sair de cena e dar lugar aos novos.
Esta teimosia de José Maria Neves coloca, desde já, duas questões: 1. Rejeitado pela sociedade, vê-se agora na iminência de ser denegado pelo partido; 2. Coloca em sério risco as suas pretensões de vir a ser candidato a Presidente da República em 2021.
Neves parece estar mais desnorteado do que o partido que ajudou a destruir. E Janira, derrotada nas urnas, pode com alguma segurança vir a suceder a si própria na liderança.
(António Alte Pinho)
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O fim do Nevismo (ou seja, o fim da dinastia do EX-PM de Cabo Verde, chamado Jose Maria_Neves) bem estudado por António Alte Pinho: a travessia do deserto! Quem vai chegar ao Oásis? Sobre tudo aquilo que Pinho escreveu recomendava uma reflexão profunda e não sei se é altura de se refundar um novo partido em C.Verde com matriz de esquerda, mas com ideologia, não este bluff que é o PAICV, que vive do passado.
O PAICV, ideologicamente não é nada...É um monte de coisa nenhuma, formando um manto de retalhos, ora africanista, ora cabralista ora esquerdista, tudo vale... Até tem políticas que se confundem com as do MPD. Socialmente foram zero, com políticas de fachada para enganar os pobres e os coitados, mas com custos onerosos e perigosos para a economia de Cabo Verde. A "Casa Para Todos" é um exemplo paradigmático e a dívida pública de CV quase que explodiu.
O mesmo vale para o MPD que já é tempo de se reconverter em partido e não isto, que ainda vive à sombra da bananeira dos pseudo-pais da democracia, ao passo que poucos fizeram por isso, continuando a chamar-se "Movimento Para a Democracia" com o se vivesse em Ditadura em Cabo Verde. Não tarda muito que este partido sofra o destino do PAICV caso não se adapte aos tempos modernos. O amigo Alte Pinho é muito esclarecido politicamente ao recomendar aos donos do MPD para se anticiparem mudanças, pois 5 anos, 10 anos passam e o poderes caem. Quanto à UCID este partido que se enraizou em S. Vicente e S. Antão em resposta à ditadura exuberante do PAIGC-CV o mesmo remédio se aplica. Eles que nem pensem em ir montar banca na ilha de Santiago pois isso seria um suicídio.
(José Fortes Lopes)
(José Fortes Lopes)
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José, sublinho e comento como vem a seguir.
"O “nevismo” não corporiza qualquer ordem de valores, não tem sedimentação ideológica precisa, é apenas uma coisa difusa entre a verborreia supostamente “marxista”, o “cabralismo” de circunstância e um discurso alegadamente “nacionalista” que, não raras vezes se confunde com algum chauvinismo “pan-africanista”. Isto é, sem base ideológica clara, pegando em alguns jargões de “esquerda” e nas “inovações” mais caseiras que José Maria Neves trouxe para o debate político, o “nevismo” não tem base ideológica clara e, mais que isso, transformou um partido com matriz ideológica e uma linha política (goste-se ou não) em uma espécie de quadrilha de assaltantes que sequestrou o Estado e que, por isso, se desmoronou ao primeiro grande sobressalto."
Direi que o abastardamento ideológico do partido foi pernicioso para o país e não é nada promissor para a saúde da própria democracia, pois pode abrir espaço para uma indefinição generalizada em que o MpD corre também o risco de se perder e cair num vácuo...
"Neste cenário, ditaria o bom senso que José Maria Neves se autoexilasse no silêncio, fizesse a sua própria travessia do deserto e deixasse o partido lamber as feridas da derrota. Mas a coisa está-lhe nos genes: movido pelo egocentrismo, a cobiça e uma vaidade incontrolável, o anterior primeiro-ministro (o principal derrotado das eleições de 20 de março e de 4 de setembro) não consegue estar calado, continua a manobrar na sombra e não pretende (ao contrário do que reiteradamente havia afirmado) sair de cena e dar lugar aos novos."
Aliás, o primeiro sintoma do seu inconformismo por deixar o poder foi ter marginalizado sub-repticiamente a sua sucessora, procurando afastá-la dos holofotes ao não incorporá-la, enquanto chefiava ainda o executivo, nas comitivas das "campanhas" de inauguração que precederam as legislativas. Naturalmente que aceitou transferir o poder dentro do partido por pensar, calculadamente, que chegara o momento de apostar na sua futura candidatura à presidência da república. Só não contava que o chão já estava fugir-lhes dos pés. Dos dele e dos do partido. Julgo que o homem não tem quaisquer condições psicológicas e políticas para ser um dia presidente da república.
É importante, como tu dizes, José, que haja uma clarificação da linha ideológica dos partidos em Cabo Verde e que estes se refundem revendo o seu modelo organizativo e a sua carta de princípios.
Com isto tudo, quero dizer que concordo com a análise do Alte Pinho.
(Adriano Miranda Lima)
Os observadores da cena política cabo-verdiana definem o "nevismo" como a apropriação do aparelho do Estado pelo partido que governou - PAICV. Como o fez em 3 legislativas consecutivas, era inevitável, diria mesmo fatal, que esse fenómeno acontecesse. É dos livros, e no caso em apreço esse desiderato foi pouco ou nada obstaculizado. Bastou reforçar o centralismo político e aproveitar a inoperância política da oposição. Contudo, o povo não pode descartar as suas pesadas responsabilidades cívicas, pois foi ele que se deixou ir na cantiga das sereias, caucionando com o seu voto 3 maiorias absolutas consecutivas. E isso quando, ao fim da segunda legislativa, já havia sinais claros a denunciar o perigo da manutenção do poder nas mãos da mesma força política. Porém, é sabido, por aquilo que se foi tornando público, que a demagogia e o oportunismo se deram as mãos na estratégia de iludir o eleitorado com inauguração de infra-estruturas que, sendo nalguns casos úteis para o país, não foram concebidas com sentido das realidades, sopesando a sua relação directa com a projecção da economia do país. E também com o impacto no perigoso endividamento em que caiu o país, ameaçando a sustentabilidade da sua economia. Terá sido, pois, uma certa aparência de progresso, focalizado na capital do país, que levou o povo a apoiar nas urnas tão prolongada permanência no poder.
ResponderEliminarMas tudo tem um fim e chegou o momento em que a alternância tinha de acontecer, ainda que com duvidoso mérito por parte da oposição. Esta, agora no poder, terá de demonstrar que rejeita a mesma estratégia de dominação e engodo seguida pelo anterior governo.
Agora, o actual governo tem pela frente a tarefa de desmontar o “nevismo”. Resta é saber se o país vai doravante assistir à instalação do “silvismo”. Esperemos que não, pois, a acontecer, o país pode sucumbir a mais um “ismo”. Pode ser um cataclismo.
Para que isso não aconteça, é preciso rever tudo de alto a baixo, refundando os partidos e reformando o Estado. Ou seja, emagrecendo o Estado, operacionalizando-o mediante um novo modelo de organização institucional e territorial, e com cada partido a redefinir e a clarificar a sua ideologia política.