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quinta-feira, 14 de agosto de 2014

[7279] - ACEVEDO, O TRAFICANTE...


Como já tive oportunidade de referir, meu pai era, por formação profissional, relojoeiro e ourives...Quando se estabeleceu em S.Vicente, por volta de 1942, fê-lo numa pequena loja, na Rua do Senador Vera-Cruz, onde montou a sua banca de reparador de relógios e passou a trabalhar, cerca de dez horas por dia, seis dias por semana...Só mais tarde se aventurou no negócio de fios, anéis, pulseiras, brincos e outros artefactos de joalharia, actividade que exigia algum capital que, no inicio da sua actividade ele não possuía...
Para contactar directamente com fabricantes, à altura estabelecidos no norte de Portugal - Guimarães, Gondomar, Porto, etc. - um belo dia meu pai resolve meter-se a bordo de um dos paquetes que faziam a carreira do Brasil - O Vera-Cruz e o Santa Maria - e vem ao continente tratar de negócios, cheio de esperanças e vontade de vencer...Todavia, chegado a Lisboa, mal o barco atraca e as autoridades sobem a bordo, ele é chamado a apresentar-se na sala de jantar, onde dois indivíduos, depois de se identificarem como agentes da PVIDE lhe  mostram um mandado de busca, pois havia uma denúncia de que ele fazia contrabando de diamantes...
Estupefacto, meu pai voltou ao seu camarote onde abriu a sua única mala, para ser inspeccionada, isto, depois de terem sido minuciosamente rebuscadas as roupas que vestia...Os dois cavalheiros deram-se, depois, ao trabalho de partir ao meio, os duzentos cigarros de um cartão que meu pai trazia para fumar durante a estadia em Portugal, esvaziar a bisnaga da pasta de dentes, destruir uma escova de fatos com uma aplicação em prata,
abrir a máquina fotográfica e danificar o rolo de película, remexer cada peça de roupa, levantar o forro da mala, esvaziar uma lata de pó-de-talco, desdobrar meia dúzia de pares de meias, enfim, verificaram cada milímetro quadrado da mala e, claro, não encontraram diamantes nenhuns...
Foi, então, que comentaram que era preciso avisar a malta do Brasil que o suspeito não trazia nada com ele...Aí, o meu pai pediu para rever o mandado de busca e, atónito, verificou que se tratava de um tal José Acevedo embarcado no Brasil e não de um José de Azevedo, embarcado em S.Vicente de Cabo Verde...
Desfeito o equívoco, os dois idiotas bateram a pala e, visivelmente envergonhados foram-se, sem mais palavra...Ninguém, que eu saiba, alguma vez contactou o meu pai para o indemnizar dos prejuízos provocados pelos incompetentes agentes da Policia de Vigilância e Defesa do Estado...
Entretanto, o José Acevedo terá abandonado o navio, calmamente, com os seus ricos diamantes no bolso!

5 comentários:

  1. A memória do fato, sem dúvidas, é mais rica que toda fortuna do Acevedo.

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  2. Boa memória, broda!

    Ao abrigo do novo Código Penal, os descentes do ofendido ( José Azevedo), podem interpor acção judicial Cível contra o Estado, pelos prejuízos materiais e morais provocados pelos agentes pidescos. Posso, caso queira, patrociná-lo "pro-bono" ..

    Saudações cordiais

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    1. Obrigado, Dr. mas já lá vão tantos anos que, com juros e correcção monetária eu era capaz de ficar rico e, aos 80 anos, isso já não teria nenhuma piada!

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  3. Mas a que sórdida e rocambolesca situação foi sujeito o seu pai! Calculo a raiva que ele deve ter sentido por tratamento tão injusto e indigno.

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  4. Ficou pior que uma barata e creio que, nesse dia, virou socialista!

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