AI, ESSE MOSTRENGO DO ESTADO CONCENTRADO NA PRAIA
O grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa que consiga promover maior equidade e equilíbrio no território cabo-verdiano radica nesse Estado concentrado e politicamente centralizado na cidade da Praia.
De nada vale tapar esta realidade com o manto diáfano da fantasia. Foi uma opção política tomada no pós-independência sem que se tenha, talvez, avaliado correctamente todas as suas implicações futuras. Em vez de se repartir o Estado pelo território mediante um ponderado critério de razoabilidade e em que a racionalidade e o bom senso se dessem as mãos, optou-se pela concentração na Praia. E, assim, enquanto esta crescia desmesuradamente e ameaçando os limites da sua própria capacidade urbana, tudo o resto definha quando não colapsava.
Era inevitável que assim acontecesse. É óbvio que se toda a possibilidade de emprego se acolitava à sombra do Estado, os quadros, a mão-de-obra e as mais valias sociais tinham de demandar a capital, esvaziando demograficamente as ilhas da periferia e comprometendo as suas possibilidades de inaugurar uma nova vida sob os auspícios da independência. Foi assim que S. Vicente iniciou o calvário da sua inanição, enquanto via a ilha capital engordar de dia para dia e sugar continuamente a seiva nacional que ao longo dos tempos se repartira com maior ou menor equilíbrio por todos os ramos da árvore do arquipélago.
Creio que os políticos da actualidade têm a noção clara de que reformar profundamente o Estado tem no monstro instalado na capital um grande óbice. Não sabem como esvaziar o seu inflamado balão sem interferir com toda a rede de interesses instalada na capital. Esvaziá-lo significará, pois, mexer com a vida de quantos nela se acolheram, deixar muitas das casas ali construídas, reduzir os negócios dos escritórios de advogados e outros empreendimentos privados, dilacerar o corpo das estruturas político-partidárias.
Sim, porque repartir o Estado mais harmoniosamente pelo espaço nacional tem todo esse ror de implicações, e pelos vistos não há partido, seja ele o PAICV ou o MpD, que queira sofrer o ónus leitoral de mexer com a vida das classes preponderantes da estrutura social praiense.
E foi assim que ninguém, durante a Cimeira, ousou pôr o dedo nesta ferida de uma forma corajosa, no mínimo reconhecer essa evidência gritante. Dizer destemidamente que, sim, senhor cometeu-se no passado um erro capital, e agora só nos resta encontrar fórmulas as mais acertadas e as menos dolorosas para remediar o problema.
Conferencistas houve que congeminaram soluções como a desconcentração de serviços e o reforço da intermunicipalidade para reduzir as assimetrias e alavancar o desenvolvimento económico nas ilhas da periferia que ficaram pelo caminho. Mas em momento algum a solução regionalização aflorou aos lábios, como se a palavra queimasse. Essas medidas aventadas para a desconcentração são escassas e não vão ao fundo do problema. São pequenas panaceias, e aí, sim, já faria mais sentido a palavra panaceia que o Germano Almeida direccionou à regionalização.
Houve quem argumentasse que de nada vale queixar-se do desenvolvimento da Praia/Santiago, entendendo que o que importa é promover o mesmo nas restantes ilhas. Isto é verdadeiro como aforismo moral. Mas é absolutamente irrealista que num país carente de recursos se possa materializá-lo sem atender ao princípio dos vasos comunicantes. As condições que favoreceram o crescimento da Praia/Santiago são irrepetíveis e tiveram o favor da exclusividade. A solução agora é um conjunto de medidas faseadas para paulatinamente ir esbatendo o perímetro do estômago da Praia. Implicará certamente desconcentrar gradualmente alguns órgãos do Estado mas de pouco servirá se não se dotar as restantes ilhas de maior capacidade de decisão política e correspondentes recursos para, aos poucos, ir ganhando corpo um figurino da regionalização.
Na sua intervenção, o Onésimo Silveira reconheceu que o José Maria Neves foi até agora o político mais visionário que o Cabo Verde independente teve, referindo-se às infra-estruturas criadas durante o seu mandato. O Silveira deixou subentendido que o José Maria Neves teria sido um visionário no sentido mais amplo e realizador acaso tivesse ousado empreender a profunda reforma que impede o país de sair do seu ciclo de estagnação e promover maior equilíbrio entre as ilhas.
Aí é que está. É preciso coragem para enfrentar esse monstro e ainda não se viu ninguém com arcaboiço para semelhante empresa.
Tomar, 16 de Abril de 2015
ADRIANO MIRANDA LIMA
Adriano Miranda Lima no seu recente artigo ‘AI, ESSE MOSTRENGO DO ESTADO CONCENTRADO NA PRAIA’ analiza os dois dias da Cimeira da Regionalização, e conclui que o grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa de Cabo Verde é o próprio Estado concentrado e politicamente centralizado um estado que cresce desmesuradamente e inexoravelmente e os seus custos a evoluirem na mesma proporção. A denominação para o Estado não poderia ser mais feliz o Mostrengo que absorve as Ilhas, as Pessoas, os recursos económicos e financeiros do país para a sua própria máquina e a sua reprodução. È a própria máquina do Estado que já é uma ameaça, pela sua dimensão e voracidade, ao próprio país que não tem dimensões nem economia para o suportar. Isto reconheceu o próprio PM ao apresentar dados relativos aos custos do Estado, sua máquina, as administrações a autarquias os parlamento nacional as assembleias municcipais etc.
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ResponderEliminarEssa é a conclusão da Cimeira da Regionalização que Adriano Miranda Lima tira:
ResponderEliminar""""O grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa que consiga promover maior equidade e equilíbrio no território cabo-verdiano radica nesse Estado concentrado e politicamente centralizado na cidade da Praia....."""""
que todos já conhecíamos e que o próprio JMN parece ter tirado ao reconhecer implicitamente mas tardiamente esta realidade.
Também já sabíamos da grande resistência que os lobbies ( as elite, os grupos etc á volta do poder instalados comodamente neste actual Sistema, que vai para além do Centralismo mau, para atingir proporções mafiosas) iriam colocar no debate onde apenas se aflorou a dimensão daquilo que Adriano qualifica de Mostrengo, que é o Estado está máquina de triturar Cabo Verde construída ao longo destes 40 anos de nação independente: na sua dimensão insular arquipelágica, no sugar os recursos humanos e financeiros, das energias cidadãs e no limitar as expectativas dos jovens e dos desqualificados.
Esta é a terrível herança legada a cabo Verde e aos cabo-verdianos que os mafiosos dentro de 2 3 meses vão celebrar.
Meus amigos para reformar o Polvo é preciso muita energia e todos somos poucos para esta tarefa. Até o próprio PM reconhece a necessidade mas vê-se impotente pois ele próprio já está ultrapassado é já um pião neste sistema todo.
Falou-se timidamente de Reformas e da Regionalização, tudo isto tabu naquelas mentes totalitárias.
Como era de esperar voltaram à carga com o Supra-Municipalismo ou SuperMunicipalismo, este conceito oco, que aparentemente está na constituição, mas que não representa nenhum ganho na medida em que o que se pretende com o SupraMuncipalismo não é mais do que uma estrutura burocrática tutelar das câmaras, em nome do governo, a sobrepor ao que já existe e mais nada.
Onésimo, embora tentou piscar um olho ao Sistema defendendo a regionalização puramente administrativa e não a política, lembrou que não é possível despir a Regionalização da sua componente política. Portanto no exercício de equilibrismo político é sempre difícil não cair em contradições!!!
O amigo Arsenio de Pina na sua intervenção por video-conferência lembrou que não é possível encarar nenhuma Reforma séria em CV, pelo menos na dimensão que se pretende sem mexer na Constituição que não é nenhuma pedra sagrada.