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quinta-feira, 16 de abril de 2015

[8024] - CAÇA AO MOSTRENGO...


AI, ESSE MOSTRENGO DO ESTADO CONCENTRADO NA PRAIA

O grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa que consiga promover maior equidade e equilíbrio no território cabo-verdiano radica nesse Estado concentrado e politicamente centralizado na cidade da Praia.
De nada vale tapar esta realidade com o manto diáfano da fantasia. Foi uma opção política tomada no pós-independência sem que se tenha, talvez, avaliado correctamente todas as suas  implicações futuras.  Em vez de se repartir o Estado pelo território mediante um ponderado critério de razoabilidade e em que a racionalidade e o bom senso se dessem as mãos, optou-se pela concentração na Praia. E, assim, enquanto esta crescia desmesuradamente e ameaçando os limites da sua própria capacidade urbana, tudo o resto definha quando não colapsava. 
Era inevitável que assim acontecesse. É óbvio que  se toda a possibilidade de emprego se acolitava à sombra do Estado, os quadros, a mão-de-obra e as mais valias sociais tinham de demandar a capital, esvaziando demograficamente as ilhas da periferia e comprometendo as suas possibilidades de inaugurar uma nova vida sob os auspícios da independência. Foi assim que S. Vicente iniciou o calvário da sua inanição, enquanto via a ilha capital engordar de dia para dia e sugar continuamente a seiva nacional que ao longo dos tempos se repartira com maior ou menor equilíbrio por todos os ramos da árvore do arquipélago.
Creio que os políticos da actualidade têm a noção clara de que reformar profundamente o Estado tem no monstro instalado na capital um grande óbice. Não sabem como esvaziar o seu inflamado balão sem interferir com toda a rede de interesses instalada na capital. Esvaziá-lo significará, pois, mexer com a vida de quantos nela se acolheram, deixar muitas das casas ali construídas, reduzir os negócios dos escritórios de advogados e outros empreendimentos privados, dilacerar o corpo das estruturas político-partidárias.
Sim, porque repartir o Estado mais harmoniosamente pelo espaço nacional tem todo esse ror de implicações, e pelos vistos não há partido, seja ele o PAICV ou o MpD, que queira sofrer o ónus leitoral de mexer com  a vida das classes preponderantes da estrutura social praiense.
E foi assim que ninguém, durante a Cimeira, ousou pôr o dedo nesta ferida de uma forma corajosa, no mínimo reconhecer essa evidência gritante. Dizer destemidamente que, sim, senhor cometeu-se no passado um erro capital, e agora só nos resta encontrar fórmulas as mais acertadas e as menos dolorosas para remediar o problema.
Conferencistas houve que congeminaram soluções como a desconcentração de serviços e o reforço da  intermunicipalidade  para reduzir as assimetrias e alavancar o desenvolvimento económico  nas ilhas da periferia que ficaram pelo caminho. Mas em momento algum a solução regionalização aflorou aos lábios, como se a palavra  queimasse. Essas medidas aventadas para a desconcentração são escassas e não vão ao fundo do problema. São pequenas panaceias, e aí, sim, já faria mais sentido a palavra panaceia que o Germano Almeida direccionou à regionalização.
Houve quem argumentasse que de nada vale queixar-se do desenvolvimento da Praia/Santiago, entendendo que o que importa é promover o mesmo nas restantes ilhas. Isto é verdadeiro como aforismo moral. Mas é absolutamente irrealista que num país carente de recursos se possa materializá-lo sem atender ao princípio dos vasos comunicantes. As condições que favoreceram o crescimento da Praia/Santiago são irrepetíveis e tiveram o favor da exclusividade. A solução agora é um conjunto de medidas faseadas para paulatinamente ir esbatendo o perímetro do estômago da Praia. Implicará certamente desconcentrar gradualmente alguns órgãos do Estado mas de pouco servirá se não se dotar as restantes ilhas de maior capacidade de decisão política e correspondentes recursos para, aos poucos, ir ganhando corpo um figurino da regionalização.
Na sua intervenção, o Onésimo Silveira reconheceu que o José Maria Neves foi até agora o político mais visionário que o Cabo Verde independente teve, referindo-se às infra-estruturas criadas durante o seu mandato. O Silveira deixou subentendido que o José Maria Neves teria sido um visionário no sentido mais amplo e realizador acaso tivesse ousado empreender a profunda reforma que impede o país de sair do seu ciclo de estagnação e promover maior equilíbrio entre as ilhas. 
Aí é que está. É preciso coragem para enfrentar esse monstro e ainda não se viu ninguém com arcaboiço para semelhante empresa.

Tomar, 16 de Abril de 2015
ADRIANO MIRANDA LIMA

3 comentários:

  1. Adriano Miranda Lima no seu recente artigo ‘AI, ESSE MOSTRENGO DO ESTADO CONCENTRADO NA PRAIA’ analiza os dois dias da Cimeira da Regionalização, e conclui que o grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa de Cabo Verde é o próprio Estado concentrado e politicamente centralizado um estado que cresce desmesuradamente e inexoravelmente e os seus custos a evoluirem na mesma proporção. A denominação para o Estado não poderia ser mais feliz o Mostrengo que absorve as Ilhas, as Pessoas, os recursos económicos e financeiros do país para a sua própria máquina e a sua reprodução. È a própria máquina do Estado que já é uma ameaça, pela sua dimensão e voracidade, ao próprio país que não tem dimensões nem economia para o suportar. Isto reconheceu o próprio PM ao apresentar dados relativos aos custos do Estado, sua máquina, as administrações a autarquias os parlamento nacional as assembleias municcipais etc.

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  2. Essa é a conclusão da Cimeira da Regionalização que Adriano Miranda Lima tira:
    """"O grande obstáculo para uma séria reforma político-administrativa que consiga promover maior equidade e equilíbrio no território cabo-verdiano radica nesse Estado concentrado e politicamente centralizado na cidade da Praia....."""""

    que todos já conhecíamos e que o próprio JMN parece ter tirado ao reconhecer implicitamente mas tardiamente esta realidade.

    Também já sabíamos da grande resistência que os lobbies ( as elite, os grupos etc á volta do poder instalados comodamente neste actual Sistema, que vai para além do Centralismo mau, para atingir proporções mafiosas) iriam colocar no debate onde apenas se aflorou a dimensão daquilo que Adriano qualifica de Mostrengo, que é o Estado está máquina de triturar Cabo Verde construída ao longo destes 40 anos de nação independente: na sua dimensão insular arquipelágica, no sugar os recursos humanos e financeiros, das energias cidadãs e no limitar as expectativas dos jovens e dos desqualificados.

    Esta é a terrível herança legada a cabo Verde e aos cabo-verdianos que os mafiosos dentro de 2 3 meses vão celebrar.

    Meus amigos para reformar o Polvo é preciso muita energia e todos somos poucos para esta tarefa. Até o próprio PM reconhece a necessidade mas vê-se impotente pois ele próprio já está ultrapassado é já um pião neste sistema todo.

    Falou-se timidamente de Reformas e da Regionalização, tudo isto tabu naquelas mentes totalitárias.

    Como era de esperar voltaram à carga com o Supra-Municipalismo ou SuperMunicipalismo, este conceito oco, que aparentemente está na constituição, mas que não representa nenhum ganho na medida em que o que se pretende com o SupraMuncipalismo não é mais do que uma estrutura burocrática tutelar das câmaras, em nome do governo, a sobrepor ao que já existe e mais nada.

    Onésimo, embora tentou piscar um olho ao Sistema defendendo a regionalização puramente administrativa e não a política, lembrou que não é possível despir a Regionalização da sua componente política. Portanto no exercício de equilibrismo político é sempre difícil não cair em contradições!!!

    O amigo Arsenio de Pina na sua intervenção por video-conferência lembrou que não é possível encarar nenhuma Reforma séria em CV, pelo menos na dimensão que se pretende sem mexer na Constituição que não é nenhuma pedra sagrada.

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