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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

[8900] - ERA UMA VEZ, ANGOLA... {57}


NOTA PRÉVIA - Afim de reavivar a memória dos 55 episódios passados, aconselhamos aos interessados nesta saga a leitura do episódio-resumo Nº 56, editado em 27 de Janeiro p.p. - "post" Nº 8853...

...oooOooo...

O, ao tempo, Distrito de Malanje fica a norte de Angola, a meio caminho entre a costa ocidental e a fronteira leste e pode considerar-se um território bafejado pela sorte, graças aos seus diamantes de aluvião, à abundância de palancas negras, o antílope símbolo de Angola, às pedras gigantes de Pungo-Andongo, às cataratas de Duque de Bragança (hoje, Kalandula), as segundas maiores de toda a Àfrica e outras farturas agricolas, minerais e humanas...


A Capital, Cidade de Malanje, era um lugar acolhedor, com comércio abundante, servida por caminho-de-ferro, cinemas, hospital, liceu, estação de rádio, enfim, uma terra convidativa, com temperaturas oscilando entre os 20 e os 25 graus, limpa, ordenada, activa e respirando saúde e prosperidade...


Tive a oportunidade de, durante a minha estada por aquelas paragens, de visitar as cataratas por duas vezes coisa que desconhecia por completo, ao contrario das Cataratas de Vitória - as maiores de África - sobejamente célebres através de fotos de revistas e de cenas cinematográficas...As de Malanje formaram-se no Rio Lucala, que é um afluente do Kwanza, quiçá o rio mais conhecido de Angola e, o mínimo que se pode dizer é que se trata de um espectáculo inolvidável, de uma dimensão telúrica que nos deixa verdadeiramente cientes da nossa insignificante pequenez... O rugido das muitas toneladas de água desabando de uma altura de mais de 100 metros é ensurdecedor!


O meu chefe-de-posto, Geraldo Alves, também me levou a visitar a zona onde, mais tarde, haveriam de fixar a reserva de Cangandala,  e que ficava dentro da zona administrativa do Posto, para admirar alguns exemplares de Palancas Negras, esses magníficos antílopes, cuja variedade castanha abunda no Alto Zambeze e eu conhecera bem... Estava, já nesses tempos, vedada a caça, tanto de uns como dos outros. É, na realidade, um animal de uma beleza e de uma elegância difíceis de descrever, adoptando, quando não está em guarda, uma postura de quase desafio, parecendo ciente da sua figura magestática...Notável!


Já as Pedras Gigantes de Pungo Andongo constituem um espectáculo geológico de natureza invulgar, semelhante ao que se pode apreciar em Portugal, na vila de Monsanto, salvaguardadas as devidas proporções, como será evidente na foto que deixamos abaixo...


Enfim, se outros motivos e outras razões não tivesse havido para justificar a minha passagem por Malanje, creio que as experiências a que aqui aludo teriam sido, só por si, mais do que suficientes para alimentar os meus sonhos de muitos anos e de tal forma que, hoje por hoje, ainda é com indisfarçável melancolia que regresso a estas memórias...

(Continua...)


5 comentários:

  1. Bela reportagem evocativa, Zito. Por acaso, passei por Malange nas minhas deambulações por África e gostei imenso do que vi. Estando no Leste de Angola, das duas vezes que fui de licença disciplinar optei por viajar (até Luanda) por terra em vez de apanhar avião das carreiras internas. Os meus colegas disseram: "Estás maluco, pá! Parece que não estás farto de mato". Não lhes dei ouvidos e nunca me arrependi. Fui de coluna militar até Luso e depois até Henrique de Carvalho. Aqui apanhei um autocarro que me levou até Luanda. Fui dormindo pelo caminho, ou em pensões ou aboletado em circunstância especial. E uma circunstância especial foi, à passagem por uma circunscrição administrativa, ter ficado alojado na casa do adjunto, que era mindelense como eu. Não era do meu tempo de liceu porque era bem mais velho. Era filho do senhor António Patrício, se a memória me não falha a respeito da exactidão deste nome. Ele foi de uma simpatia extraordinária e nunca me esqueci disso. Ah, lembro-me de que uma irmã dele foi minha professora na infantilona, aos 6 anos.
    Resta dizer que fiz o mesmo trajecto duas vezes, e tanto na ida como no regresso. Ah, quando fui colocado no Leste de Angola, a viagem foi também por via terrestre, mas o percurso foi outro. Passava mais a sul e lembro-me de que se fazia escala por uma vilória chamada General Machado. Mas o regresso, finda a comissão, já foi por um percurso idêntico ao das minhas férias.
    Gratas e imensas recordações dessas viagens.

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    1. Henrique de Carvalho, hoje, Saurimo, na Lunda-Norte, terra de diamantes...Nunca passei, nem de perto. Mas, Vila General Machado, que hoje se chama Camacupa, fica no Distrito do Bié, cuja capital - Kuito - foi meu ponto de passagem a caminho de Malanje...Só as datas das nossas passagens por lá não coincidem!
      Eu também adorei as longas viagens, como pendura, para poder gozar o prazer dos horizontes sem fim, dos espectaculares pores-de-sol escarlates, da bicharada desfilando através das anharas de capim gigante oscilando à brisa quente...Inolvidável, meu amigo!

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  2. Amigo Zito, inolvidável é a palavra certa. Hoje em dia, o comum dos mortais só desfruta essas emoções se pagar (só para ricos) para participar num safari. Compreendo que só nós os dois aqui apareçamos para falar das nossas experiências africanas. Sim, experiências africanas, porque Cabo Verde nada tem a ver com a geografia africana; são ilhas atlânticas que só se diferenciam das mais setentrionais na cobertura vegetal.
    Em Angola tive a possibilidade de fazer grandes percursos terrestres porque o meio aéreo não estava ainda incorporado na logística dos transportes, tal como viria a estar mais tarde. Em Moçambique, por onde passaria anos mais tarde, as grandes distâncias já eram cobertas por transporte aéreo, e quando digo isto estou a referir-me à projecção das tropas no acto de chegada e mais tarde de saída do território. Quantas vezes, estando no meu quartel no norte de Moçambique, não me recordei do privilégio que tive em percorrer grandes extensões terrestres em Angola. Em Moçambique, desembarquei na Beira com a minha tropa e depois tomámos um avião que nos levou a Nampula, de onde tomámos um comboio até Nova Freixo. A partir daqui é que o percurso foi por terra em direcção ao interior do Niassa. Hoje, muito me agradaria ter conhecido os outros distritos mais a sul, penetrando-os por terra adentro.
    Quanto a palancas, regressava de licença (gozada em Luanda) e apanhei boleia de um desses grandes camiões que cobriam as distâncias onde não havia guerra. No caso, foi entre Henrique de Carvalho e o Luso (hoje, com outros nomes). A meio da viagem, e já de noite, atravessou-se à frente do veículo uma grande palanca e o condutor não pôde evitar a colisão. O animal ficou estendido, em aparente agonia, pois estava ferido de morte. Apeamo-nos e, como eu estava armado de uma pistola Walther, apontei para o que me pareceu ser uma zona vital e disparei. O animal morreu logo, sendo depois carregado para a caixa do camião com a minha ajuda e a dos dois auxiliares do condutor. Era efectivamente uma palanca adulta e de grande porte. Mas não era da espécie negra de que aqui fala e que eu nunca vi. As da minha zona eram predominantemente de cor castanha.
    Enfim, recordações de África.

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  3. Que rico documento Zito! A descrição está fabulosa, da beleza paisagística da região de Malange. As fotografias são comprovativas disso mesmo. Não sei,se tal assim permaneceu...
    Já dizia Dante Aligheri: "Nessuno maggiore dolore, es recordarse nel tempo infelice, di tempo felice!" Válida apenas para a terra recordada aqui. Para o autor do texto há naturalmente, a melancolia da recordação. ( Ah! Cito de cor, Dante, pois li isso há muitos, muitos anos, jovem ainda, na «Divina Comédia».) Mas a guerra destruiu se calhar, esta bela evocação do nosso Zito.
    Abraços

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    1. Minha amiga, o meu coração não balança e consigo manter vivos vários amores...Cabo Verde, onde VIVI cerca de 30 anos e Angola, onde me extasiei por 4 que, pela grandiosidade, vivência, beleza, variedade natural e humana e outros apelos sensoriais, me pareceram muitos mais, tal a intensidade emocional com que foram vividos...As fotos da cidade, são de datas muito próximas às da minha estada por lá...Quero crer que não tenham destruido as Pedras Gigantes e as Cataratas serão o que são há muitas décadas, com descargas maiores ou menores conforme a pluviosidade que, em Angola, pode ser diluviana...A palanca negra, essa, é um símbolo de poder e beleza estética em que até a armação é um primor de elegância...Pessoalmente, prefiro as palancas vermelhas (castanhas claro) abundantes no Alto Zambeze, onde permaneci por mais tempo. As pretas sempre tiveram mais protecção por há muitos anos correrem o risco de extinção...Finalmente, creio que Malanje, ao contrário de Nova Lisboa (hoje Huambo) e outras cidades, não terá sofrido grandes destruições...E, já agora, creio que Dante tem razão!
      Carinhoso abraço,
      Zito

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